domingo, 29 de março de 2009

Depois que perdi a Consciência.

Consciência!

Lembra daquele dia na cozinha em que discutíamos a cor de nossos olhos? Das minhas negras e das suas cinzas pupilas? Aquele dia que você deu uma breve escapada e só voltou agora. Enfim, lembra?

Então, estava deitado sobre a cama tentando lembrar aquela frase que me disse assim que peguei a margarina. Era algo que tinha me tocado, mas, como sempre digo, aquilo valeu apenas para o momento. Lembro que tinha o teor específico para um dia de verão e o tempero exato da nossa relação, afinal estávamos comemorando alguns dias de harmonia. Acredito que nunca tenha ficado tanto tempo com alguém, sinceramente, mas, por favor, Consciência, não me traia nesse momento e não me faça lembrar se houve alguma outra que tenha ficado comigo mais tempo que você.

Por fim, naquela cozinha, quando eu e você, Consciência, estávamos assando nosso bolo de comemoração, com minhas mãos vermelhas, minha garganta seca, minhas pernas bambas e meu nariz entupido, foi que você partiu e assim fui trago para cá. Se o bolo queimou ou ficou cru, não me recordo. Você fugiu como a fumaça de um cigarro na chuva, fazendo assim me esquecer de tudo.

Espere, posso ver o que aconteceu. Eu fui lavar o rosto e deixei a porta do forno aberta. Sim. Mas onde você estava, Consciência? Ficou no banheiro e me abandonou? Ah, claro, porque a senhora tem a mania de nos abandonar no momento mais preciso: quando estamos lavando roupas, andando de ônibus, ouvindo música ou mesmo vendo televisão. Não que eu te utilize 1440 minutos por dia, mas estamos acostumados a ficar sãos, Consciência. Exijo, a partir de hoje, que fiques aqui durante, pelo menos, 1380 minutos por dia. Assim posso pensar melhor e resolver os problemas com mais claridade. Mas, antes disso, tenho de sair dessa cama de hospital.

Bom, agradeço pela pequena visita. Me fez refletir sobre a maneira a que vim parar aqui. E isso é bom, porque já estava me sentindo um louco sem você aqui. Claro, qualquer pessoa sem você se sente perdido, mas me dê prioridade, uma vez que eu não posso abandonar esse lugar esbranquiçado. Como eu detesto branco. Mais que aquela fumaça nos olhos. Na verdade, me importo mais com cores que com sons. Eu realmente não ligo mais pros sons desde que estamos vivendo juntos, Consciência. Eu era tão inconseqüente sem você.

Bom, Consciência, agradeço novamente sua visita, mas vou dormir até conseguir lembrar onde eu moro. Espero que lá ainda não esteja cheirando gás e que eu possa viver lá sem te perder de novo.

Agora pode me deixar dormir?

sexta-feira, 20 de março de 2009

Portal

Se realmente houvesse uma passagem, ou portal, melhor falando, de um mundo real para um mundo ideal, eu ficaria preso no portal.




Talvez seja exatamente por isso que nenhuma dessas passagens tenha se revelado a mim ainda. Falta-lhes paciência para tanto.

sexta-feira, 6 de março de 2009

A Catástrofe.



No melhor deles, ouvi passos precipitados na escada, a campainha soou, soaram almas, golpes na cancela, vozes, acudiram todos, acudi eu mesmo.

Era um escravo da casa de Sancha que me chamava

- Para ir lá... sinhô nadando, sinhô morrendo.

Não disse mais nada, ou eu não lhe ouvi o resto. Vesti-me, deixei recado a Capitu e corri ao Flamengo.

Em caminho, fui adivinhando a verdade. Escobar meteu-se a nadar, como usava fazer, arriscou-se um pouco mais fora que de costume, apesar do mar bravio, foi enrolado e morreu. As canoas que acudiram mal puderam trazer-lhe o cadáver.


Machado de Assis - Dom Casmurro, Capítulo CXXI
Globo Vídeos - Capitu, Minissérie, Capítulo V

domingo, 1 de março de 2009

Monitor de Sentimentos

Em resposta e complemento ao Sentimentalismo de Monitoramento


Podem vigiar minhas ações. Podem vigiar minhas palavras. Podem tentar dar uma leve espionada nos meus pensamentos. E é isso que estão fazendo.
Posso fugir. Tenho minhas armas também e posso utilizar quando mais me agradar. Mas prefiro me manter na defensiva, pois atacar pioraria a situação.
Já sei até onde foi o monitor. Consegui uma leve amostra do meu mais sagaz sentimento e o utilizei na missão. E pude concluir que pouco sabem verdadeiramente sobre mim. Usaram o sistema correto, mas sobre o protótipo errado. Se tivessem acertado, lhes teria sido o trunfo final.
Afinal, agora que lhes bloqueei a saída, para impedir a descoberta do verdadeiro protótipo, posso afirmar que podem vigiar tudo, menos uma coisa. Mesmo se tivesse acertado o protótipo.
Por fim, declaro guerra contra mim mesmo. Pois posso me precaver de algumas invasões de privacidade, de ações e outros. Isolar-me-ei para proteger meu ultimo monitor que pode ser vasculhado. Esse, posso garantir, ninguém mexe.
Desafio-te. Crie para mim um Monitor se Sentimento. E me avise quando acabar. Não esconda como da outra vez.
Agradeço-te.
A direção.