quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sonhos em Luz e Plástico

As luzes. Cada minúsculo ponto brilhante daquela avenida consumia uma pequena potência de existência.
Havia bonecos em forma de bonecos, bolas em forma de bolas, sonhos em forma de pequenos farelos brilhantes que circundavam todos os glóbulos das lâmpadas que apareceram ao correr aquela semana pela cidade.

Um gracioso e reluzente Boneco de Neve de plástico brilhava por entre vários Pirulitos verdes e vermelhos. Todos possuíam nariz de Cenoura de Plástico, Cartolas de Veludo Negro de plástico, Cachecóis quentes e peludos de plástico e luzes extra-coloridas, dando uma majestade maior do que realmente aparenta ter um Boneco de Neve num país tipicamente tropical. Mas o sorriso daquele pequeno monte de plástico aparentemente inútil fazia com que os rostos de diversas crianças de todas as idades refulgissem a luz daquela noite pouco estrelada de uma época nublada. Panapanás coloridas de plástico voavam em bandos para lugar algum, em círculos eternos sobre uma armação de arames, transformando o ato de voar num singelo tempero alegre noturno e adocicado.

Gigantescos pinheiros concentrando as diversas cores em sua imensa extensão, onde em suas raízes estavam as esperanças e felicidades das crianças que esperavam um brinquedo. Bolas magistrais sempre nas mesmas cores pendiam de seus galhos como se fossem frutos de uma época inexistente, porém que pareciam saborosos aos olhos. Outros frutos também pendiam de outros postes, sempre com cores Rubras ou derivadas, mas nunca trazendo discórdia ou algo do gênero. Pelo contrário, acalmava corações aturdidos com bilhares de questionamentos.

Luzes tipicamente azuladas combinam com o Pseudo-Inverno da Estação veraneia. Luzes absurdamente verdes, fazendo os pinheiros parecerem maior do que realmente são. Vermelho forte, combinando com sentimentos intensos dos variados tipos de pessoas que por ali andavam. Amarelos e dourados chamativos, para que as pessoas acreditassem que era a época de ouro do ano. Prateados e Alvo, lembrando pássaros incrivelmente brancos que simbolizam tranqüilidade. Violetas, trazendo todo o mistério presente na imaginação absurdamente fértil dos humanos.

Uma criança parou na rua, apontou para uma pequena gravata iluminada e chamou sua mãe. Aparentemente, seus olhos refletiam a mesma intensidade, senão superior, a das luzes que eram emitidas pelas gravatas. Seus olhos lacrimejaram de graciosidade e um sorriso surgiu rapidamente no rosto. Outra criança parou e encarou o boneco de neve, com as sobrancelhas levemente arqueadas começou a questionar seu avô sobre a neve e como é feita. Seus ouvidos eram atentos a estória contada pelo feliz ancião. Uma terceira criança olhou para o grandioso pinheiro e o mostrou ao pai. Pai este abriu um gigantesco sorriso e abraçou o filho bem apertado, como se aquele fosse o seu pertence mais precioso. Outra criança olhou brevemente uma das borboletas no arame, lembrou de seus natais antigos, e abriu um sorriso para suas filhas .

E assim, todas as crianças iam olhando para o alto, com os rostos levantados, sempre com os olhos brilhando. Cada uma com uma reação diferente, mas todas com o brilho daquelas diversas luzes, de diversas tonalidades, refletindo todos os sentimentos que esperaram todo um ano para sentir novamente.

domingo, 26 de setembro de 2010

Convite

Não obstante a todo esse universo, devo lhe dizer, Joana, que posso trazer-lhe o Sol, ou levá-la as estrelas. Não é simplesmente mais uma dessas minhas declarações apaixonadas ou algo que o valha, sinto lhe dizer. Mas é que o novo planetário da cidade já está aberto à visitação.

Outro detalhe que gostaria de frisar foi que ontem me encontrei com seu irmão, Miguel. Conversamos um bocado e ele me disse gentilmente a posição dele com relação a minha estadia na sua casa. Fiz questão de lhe contar sobre o dinheiro que ando gastando, o financiamento do meu novo apartamento e o meu pedido de noivado.
Apesar de termos conversado um bocado, foi uma conversa curta, uma vez que meu pai aparecera pedindo para que eu o levasse ao médico. Sabe que a saúde dele não é das melhores... Enfim, ele está bem, era só uma dor de cabeça mais forte.

Com relação aquela carta de atraso do pagamento da conta de telefone que chegou, liguei e resolvi o problema. O sistema estava com algum defeito e por isso não haviam contabilizado o pagamento. Passei um fax com o recibo de pagamento e eles que se resolvam. Hehe, Fax, que coisa antiga.
Sua Tia-Avó Mirele ligou. Ela pedira para que você retornasse a ligação o mais cedo possível. Ela irá convidá-la para passar umas semanas na Noruega junto com ela. Eu sugiro que você ligue o quanto antes, afinal, como você mesma disse, o humor dela é um bocado inconstante.

Como você percebeu Joana, deixei esta carta dentro de um livro, na exata página onde o marcador estava. Sugiro que leia a página 257 novamente, deixei uma frase sublinhada que gosto pacas.

A Cleide também ligou. Deixei esta por último para fazer suspense. E adivinhe... ahã.... Você começa na quarta! Deve ir por entre hoje e amanhã para assinar o contrato e pronto. Não é genial? Fico feliz que você tenha conseguido essa vaga, Joana.

Deixe-me encerrar por aqui. Te amo
    Ao infinito
           E Além.
           Eduardo.

sábado, 28 de agosto de 2010

Auto-Análise

Acredito eu que determinadas coisas sofrem mudanças drásticas. Outras, certamente nunca mudarão. Eu diria que várias das frases que eu disse algum tempo atrás, de hoje nada me valem, assim como por vezes encontro vestígios do passado que não parecem terem pertencido a mim.
Muitos dos ideais que possuo hoje, de fato, são diferentes dos ideais anteriores. Muitas vezes, eu diria até que vergonhoso. Mas, apesar de poder lançar uma espiadela por cima do meu ombro, sei que não ignoraria tudo aquilo que já ocorreu. Tudo aquilo que passou construiu o meu caráter [ou a falta de] de hoje.
Não digo que nunca me arrependi de algo que tenha feito. Sou capaz até de afirmar que grande parte das coisas que fiz, ou que deixei de fazer, são frutos que hoje colho de arrependimentos. Por diversas vezes, olho tudo o que aconteceu e penso ‘Puxa, como fui imbecil’. E que atire um ovo na minha testa quem nunca pensou isso de si mesmo:

Para começar, preciso frisar que durante dois anos infernais eu tive muitos problemas sociais. Eu sei que melhorei bastante, não o suficiente talvez para muitos, mas acredito que se tivessem me conhecido nessa época, sem dúvidas não me aturariam como aturam hoje. Afinal, em todo ambiente que entrava, sentia um grande vazio, em termos mais precisos, como um grande ‘Intruso’. Num texto deplorável, deixei bem clara essa minha opinião.
Lembro que disse uma vez que ‘Por amor, esperaria num deserto’. Seria uma calúnia eu dizer isso, uma vez que naquele tempo eu não tinha a menor noção do que seria amor. Não que hoje eu tenha uma visão ampla sobre este aspecto, mas sei bem aquilo que eu imaginava, não era amor. Acredito que falta muita maturidade pra saber o que, de fato, é amor.
Em outro momento, lembro que estava tão envaidecido que disse ‘Desencontros e dados rolam como foices do destino’. De fato, é uma frase bonita de se ler. Só que o contesto sob a qual fora escrita é tão simplório que se torna até, eu diria, nojento de se ler.
Também já disse que ‘Admiro as estrelas e suas fabulosas personalidades. Personalidades essas que constantemente comparecem em meus sonhos e caminhos paralelos. ’ Até hoje, tenho um respeito enorme pelas estrelas e seus fascinantes brilhos. Penso, até que amargamente por vezes, por que não resolvi trilhar o caminho delas. Talvez tudo que conheço hoje, não existiria. Seria tudo absurdamente diferente a ponto de talvez não reconhecer o meu próprio semblante.
E por fim, nessa auto-análise, lembro-me bem de quando fiquei a devanear sobre portais, idealizações, mundos alternativos e fiquei pensando o que faria eu se encontrasse uma dessas Realidades Alternativas. Tenho por absoluta certeza [Redundância, quem vai falar algo?] Que tenho a mesmíssima opinião daquele tempo: ‘[...] eu ficaria preso no portal’. Acho que sempre fui e sempre serei confuso co relação a escolhas drásticas de rumo.

Provavelmente, daqui a algum tempo, eu venha a ler esta análise barata e venha dizer o quão deplorável está. Porque, descobri eu, que quanto mais tempo passa, menos desprezível eu sou, fazendo assim eu tornar uma pessoa melhor e, talvez, feliz. Porque descobri que isso, na verdade, é bem mais fácil do que eu imaginava.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Felicidade Satisfatória

Meu pai sempre foi daquele tipo de homem que saia de casa logo pela manhã com o jornal embaixo do braço e o terno bem arrumado, sem nenhuma dobrinha e com o cabelo arrumado todo certinho, impecável. Levava eu e minha irmã para o colégio e rumava ao serviço. Ligava ao meio dia em casa pra saber se estava tudo bem e mandava um beijo pra minha mãe. Chegava em casa as sete em ponto da noite, com o terno em cima do ombro, o óculos meio tombado e o cabelo antes todo arrumadinho, meio bagunçado. Dava um beijo na minha mãe, ia tomar banho, colocava sua pantufa e ficava no sofá até a hora de dormir.

Minha mãe sempre foi daquele tipo de esposa dedicada. Acordava meia hora antes de o papai sair pra trabalhar e fazia-lhe o café que cheirava a quarteirões de distância. Buscava o jornal na porta e colocava em cima da mesa, aberto na página favorita do meu pai, as notícias econômicas. Preparava o café da manhã com devoção e uma alegria sem tamanho. Quando chegávamos do colégio, o almoço já estava quentinho na mesa já arrumada. Às vezes, enquanto mamãe estendia a roupa no varal, parava para conversar com nossa vizinha ou para espantar Toby, nosso cachorro, da roupa lavada. Papai chegava e mamãe servia-lhe seu prato preferido, que era o refogado de abobrinha, que eu e minha irmã fazíamos cara feia ao comer. Mas papai dizia que ia nos deixar forte, então comíamos sem reclamar. Mamãe via TV com papai enquanto fazíamos nossos deveres.

Minha maninha sempre foi aquela nerd e insuportável. Ela tinha dezessete anos e era conhecida como a ‘sabidinha’ da sala. Acordava cinco minutos antes que o papai, fazia sua série de alongamentos, tomava banho e colocava o uniforme do colégio. Ficava me aporrinhando para levantar logo. Abria a janela do meu quarto me obrigando a levantar. Arrumava o material que ia precisar para aquele dia e ia para a cozinha, ajudar mamãe a preparar o café. Quando eu chegava, ela estava comendo aquele cereal horrível. Sentava no banco da frente do carro do papai, onde ficava brincando de trocar a estação da rádio ou ficava se vangloriando da sua ultima nota dez no colégio, onde ficava o recreio todo na biblioteca estudando. Ela me esperava na porta do colégio, onde voltavamos a pé para casa, conversando sobre as peculiaridades do dia. Chegava em casa, ela arrumava o quarto e voltava a estudar. E ali ficava até o jantar.

Sempre me chamaram de folgado. Sempre fui o último a levantar, mas nunca viam que eu sempre era o último a ir dormir. Sempre acordava com minha mana abrindo a janela e pulando na minha cama. Eu espreguiçava e ia pro banho. Trocava-me e ia tomar o café com maninha, mamãe e papai. Papai falava sobre algum índice novo da bolsa de valores, mamãe contava sobre os lençóis novos do vizinho e maninha tagarelava sobre o que o professor disse do último trabalho dela. Despedia-me de mamãe e ia com papai pra garagem, onde ele sempre comentava da minha altura. Sentava-me no banco de trás do carro, ligava meu foninho de ouvido pra não ouvir minha mana falar asneira e dormia no carro, até o colégio. Lá sempre me divertia pacas. Meus colegas eram uns palhaços que só sabiam conversar coisas inúteis. Sempre saía mais tarde da sala, conversando com eles, e encontrava minha maninha na porta do colégio, me apressando pra ir embora logo. Chegávamos em casa, almoçávamos a comida fresquinha da mamãe. Eu ia pro meu quarto, ouvir música, ver TV, jogar algum jogo ou ficar a toa. Papai chegava, íamos pra sala de jantar, fazíamos nossa refeição e ajudava mamãe a tirar a mesa, todos bem animados. Fazia um pouco dos deveres, ficava um pouco na sala e ia dormir.
Todo sábado fazíamos alguma coisa em família. Ou íamos à casa da vovó, ou íamos ao parque levar o Toby pra passear, ou íamos a algum restaurante ou alguma coisa do gênero. Domingo acordávamos todos cedo, íamos a Igreja e voltávamos, conversando alegremente sobre as coisas da semana que tinham acontecido.

Felicidade Satisfatória.

Mas eu sei que meu pai nunca quis ser economista. Sei que o sonho dele foi ser professor de música junto com seu colega da primeira faculdade dele, Artes. Sei que ele detesta refogado de abobrinha e que tudo que ele mais gosta de comer é o cachorro quente que vende em frente ao escritório dele. Sei que ele casou jovem demais com a mamãe, mas ela já estava grávida da maninha. Sei que, pra dizer a verdade, ele ainda se encontra com o amigo de faculdade, e que eles sempre saem juntos, sem a mamãe perceber. Também sei que papai só dirige para nos levar ao colégio. Ele detesta assumir a direção do volante.

Eu sei que mamãe tinha outros sonhos quando jovem, antes de ter minha maninha. Ela queria ser jornalista e, para pagar a faculdade, trabalhava como monitora de berçário. Percebo a tristeza nos seus olhos toda vez que chega alguma carta de amigas de faculdade dela. Sei que ela detesta cachorros e, conseqüentemente, nunca aceitou Toby totalmente. Sei que ela detesta o trabalho de dona de casa, faz o faz parecer divertido para não se aborrecer. Aliás, também sei que ela toma vários comprimidos para depressão, tentando se esquecer do acidente que matou o pai dela.

Minha maninha tem taras enormes pelo Rogério, o garoto popular do colégio. Tanto que as garotas de lá vivem tirando o sarro dela por causa de uma declaração que ela fez sem saber que estava sendo gravada. Sei que quando ela diz que vai dormir na casa da amiga dela sexta à noite, na verdade as duas estão indo para alguma balada, pois ouço quando ela chega às seis da manhã nas pontas do pé. Também sei que ela esconde alguns comprimidos embaixo da cama, mas nunca me perguntei o que era.

Sei que nenhum de nós é católico, apesar de irmos à igreja toda semana. Sei que todos nós nos irritamos em levar Toby para passear e ter de recolher as fezes que ele deixa nas calçadas. Sei que ninguém mais tem paciência quando a vovó começa a contar as mesmas histórias, de quando era jovem e namorava o vovô. Sei que nenhum de nós suporta acordar cedo, a não ser talvez minha irmã.

Sei que quando colocava meu fone de ouvido no carro e dormia, na verdade, estava ouvindo minha irmã conversar com papai. E que quando ficava até tarde vendo filme ou ficava no PC, era porque papai e mamãe discutiam até tarde e eu não conseguia dormir.
Sei que é impossível se ter uma família perfeita. Sei que, socialmente, o significado da felicidade pode ser bem relativo. Sei que não somos todos felizes com nossas vidas.
Sei que eu me isolava o máximo que podia da minha família, mas era pra manter pra sempre o que eu tenho por uma família feliz. E assim somos.

domingo, 23 de maio de 2010

Ctônico

Hoje estava com as meias molhadas. Mas não havia o que ser feito a não ser caminhar para casa, como todo final de tarde. Milhares de pensamentos a lá Hipnos e Tânatos, de tão desditosos e enfadonhos. Fazia o que tinha de fazer quase que automaticamente, sem se preocupar em pensar. Uma vez que pensar era tedioso demais, pois quando se pensa em algo, está apenas valorando socialmente o que esse algo é, se preocupava em imaginar como poderiam ser todo o resto. Pensara em fugir para a mesma raiz de árvore, mas devido a Zeus e seu mau humor não-rotineiro do mês de maio, resolvera que o melhor lugar a se encontrar naquele momento era uma confortável cama com cobertas quentes.

Novos horizontes tem se aberto àquele rapaz. Eram bilhares de alternativas, de escolhas, de direções, de qualquer coisa que lhe poderia ser destinados. Era, sem dúvidas, o momento de maior glória, que ele jamais encontraria novamente. Era aquele o momento onde todo o futuro deveria ser planejado. Calmamente e sem antecipação, sem realmente precisar se adiantar, afinal, já estava bem adiantado.
Mas, definitivamente, não era isso que ele via.

Ao invés de ver tudo aquilo como alternativas a serem escolhidas, era visto como Hidras a serem domadas. Ao invés de escolhas, ele acreditava ser a grande escolha de Ulisses, entre Scylla e Caríbdes. Ao invés de direções, era possível distinguir o olhar dele como se visse os Campos Elíseos, o Tártaro e a Planície dos Narcisos. Não era possível ver o que pensava, pois nada era claro para ele, assim como se auto-destinara.
Se via como Prometeu ou Andrômeda. Acorrentado.

Por mais que soubesse que deveria ter de escolher o que seguir, o que acreditar, resolvera simplesmente se colocar nas raízes das árvores e contar o número de formigas que subia em suas mãos. E, por isso, ninguém o julgava muito capaz de fazer qualquer coisa, mesmo acreditando que tinha um Gênio brilhante. Talvez realmente o tivesse, mas não funcionava bem como queriam. Era inóspito a qualquer um que tentasse entender seu interior, mesmo porque saberia que ninguém o poderia fazer. Já desistira de criar esperanças a encontrar qualquer coisa que lhe entenda. Mas era tão simples de se compreender. O problema dos homens é simples: não querem nada simples. E era isso que faltava em alguém para que pudesse compreender tal complexidade: simplicidade.

Tudo que se deveria fazer foi deixado de lado. Necessidades físicas foram abandonadas. Sentidos biológicos foram abalados. Enquanto o calor se estende quando se sente confortável, o frio torna tudo mais descortês e um bocado sem cor. Afinal, cores são tão complexas quanto qualquer outra coisa. Talvez esse fosse o grande motivo das mãos dele serem tão geladas. Que combinavam perfeitamente com seus olhos, que emanavam certa energia dúbia. Aliás, mesmo Jano poderia ter dúvida do que era dito.

Definitivamente, os pensamentos que se tinham exprimido não eram dignos de Atenienses, mas eles soavam tão sonhadores e sem sentido que era como se algum Morfeu ou Ícelo dominasse o ar. Nada se mostrava muito lógico no que era dito, mesmo quando fazia algum sentido. Com isso, qualquer coisa era taxada como vil. Isso o fez parar de dizer tudo o que pensa.

Enquanto pensava no quanto estragara toda a construção e alguma forma não convencional de reparar o grande erro, já dentro do coletivo, passou uma senhora carregando uma pesada sacola, onde era possível ver comida enlatada de gatos. Ela o encarou diretamente nos olhos. Pela frigidez do rapaz, rapidamente desviou o olhar para a janela, onde só era possível ver pesadas cortinas de água descendo torrencialmente. Já tinha até se esquecido da senhora quando novamente virou-se e encontrou a senhora a encarar-lhe fervorosamente. Por instinto, logo imaginou que o cabelo estava bagunçado ou que a gola da camisa estava torta e tratou de se mirar no espelho do vidro para ver se procedia tal pensamento. Nada de anormal. Ele se virou uma terceira vez para a senhora e ela continuava a lhe encarar. E lhe sorriu.

"_ C'est l'Homme aux mille tours, Muse, qu'il faut me  dire, Celui qui tant erra quand, de Troade, il eut pillé la ville santé, Celui qui visita les cités de tant d'hommes et connut leur esprit. Celui qui, sur les mers, passa par tant d'angoisses, en luttant pour survivre et ramener ses gens. Hélas! même à ce prix, tout son désir ne put sauver son équipage: ils ne durent la mort qu'à leur propre sottise, ces fous qui du Soleil, avaient mangé les boeufs; c'est lui, le Fils d'En Haut, qui raya de leur vie la journée du retour.
Viens, ô fille de Zeus, nous dire, à nous aussi, quelqu'un de ces exploits..." (Homero)

O rapaz ergueu uma sobrancelha e começou a olhar através da senhora. Via outra senhora sentada ao seu lado, também o fitando, com um pequeno sorriso desbotado no rosto. A senhora segredou algo com a sua companheira, que passou do sorriso desbotado a um olhar brilhante. E voltou a encarar o rapaz.

Consciente de que estava encharcado, e que não havia outra escolha senão aguardar o final da viagem, o rapaz virou-se pra janela e ali permaneceu por um bom tempo. Não olhava as janelas propriamente ditas, mas sim algo que ninguém mais conseguiria enxergar. O fato de Apolo e Selene dominar o céu ao mesmo tempo enquanto chovia era algo que possivelmente era único. E o mais incrível, Iris deixara dois rastros entre sua passagem entre o Céu e a Terra.

Chegado o fim da viagem, levantara-se para descer e contemplar de perto os rastros de Iris, encontrara novamente as duas senhoras, descendo do coletivo. Ouvira algo como ‘Fim da Viagem, Dona Lá’ ou algo que o valha da senhora com a sacola de ração enlatada enquanto ela saltava do automóvel. Ambas as senhoras se encontraram com uma terceira senhora e ficaram a papear ali na calçada, onde várias pessoas se empurravam com pressa de passar. Enquanto o rapaz descia, as três o olharam com um sorriso e sussurraram algo como ‘Hora’.

Caminhando em direção ao sonhado cobertor, deduzira ele que tinha encontrado as Moiras e que elas já haviam decidido seu destino. Não havia o que se preocupar então, mesmo com relação a escolhas, alternativas, direções e destinos. Bastava existir para não mais existir. E tudo substancialmente sem aviso prévio. Então não há motivos sólidos para preocupações com qualquer coisa, bastava rumar.

Je reconnais, mon hôte, en toutes tes paroles, les pensées d'un ami , d'un pere por son fils: je n'en oublierai rien.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

No Café

Eu sabia que tinha um sorriso idiota na cara. Mas também sabia o quão inevitável ele surgira no meu rosto.
Estava sentado em uma das cadeiras mais baixas, encostado a uma mesa pequena, longe do balcão e em frente ao vidro. Olhava para o lado de fora do café com uma freqüência que diria que era até absurda. Revirei meu pulso, acho que pela sétima ou oitava vez, e vi que o horário ainda não tinha mudado. Duas e quinze, ainda estava quinze minutos adiantado.
Olhei para o prato a minha frente. O croissant de queijo estava com uma aparência horrível, como se tivesse sido atropelado pela manada de mamutes gigantes e frio como se tivesse sido colocado no congelador, ao invés do forno. O café estava amargo, mas eu não reclamava. Pedi sem açúcar, pois fazia algumas horas que eu não dormia e precisava me manter acordado por mais algumas. Talvez o açúcar não me fizesse muito bem também. Mas não estava preocupado com nada disso.
Olhei para o celular e vi que meu pulso não mentia. Estava quinze minutos adiantado. Não sei pra quê diabos resolvi chegar mais cedo, afinal, eu sempre chegava atrasado. Mas hoje era uma exceção a qualquer coisa.

A porta do café se abriu. Finalmente. Afinal, ELA estava atrasada. Dez minutos. Naquele dia jurei a mim mesmo que nunca mais ia me atrasar a qualquer compromisso.
A princípio, ela não me encontrou. Lógico, eu estava de óculos escuros. Quando percebi, eu os tirei do rosto e dobrei cuidadosamente em cima da mesa, enquanto ela vinha e se sentada exatamente a minha frente.
Ela logo veio se desculpando do atraso, que tinha acontecido um funeral de mosquito na casa da tia da irmã do vizinho da cunhada dela, ou algo que o valha. Talvez fosse até menos dramático. Fingi não ter ligado, mas estava bufando por dentro. Me senti um pastel mal comido.
De alguma forma, ela estava mais bonita que no dia anterior. Não sei se tinha cortado os cabelos louros, ou se simplesmente tinha os colocado atrás das belas orelhas que ela possuía. Na verdade, ela estava tão bela quanto nos outros dias, mas é que meu humor estava um bocado melhor. Apesar da raiva pelo atraso.
-Fico feliz que tenha vindo – Eu disse, sem ter a plena certeza disso – Eu realmente estava precisando de alguma… companhia.
Frisei a ultima palavra, mas sem nenhuma malícia. Mas pelo jeito ela não havia me entendido. Ela ergueu a sobrancelha e me encarou com os olhos dourados. Olhos estes que eu achava os mais lindos de toda a galáxia. Não que tivesse visitado algum outro planeta.
Ela bebericou um pouco da água que acabara de chegar e pediu um chá gelado com torradas. Quem diabos come torradas às duas e quarenta da tarde? Enfim, preferi não me desviar do foco. Assim que o garçom se fora, ela voltou a me encarar com os brilhos dourados.
-Eu tenho que me desabafar com alguém, e achei que talvez fosse a pessoa ideal para isso. – expliquei rapidamente, vendo que a postura dela ficara mais relaxada com a minha afirmação. Talvez ela estivesse achando tudo um tédio. Mas eu não tinha opção. Eu realmente precisava de companhia. E ela era a única disposta a me ouvir. Bom, se bem que eu gostava mesmo da companhia dela, mesmo quando ela grunhia alguma coisa sem sentido, como ela fez agora.
-Bom, entendo que esteja em condições um tanto precárias. É dinheiro o problema? – soltou ela, num segundo.
Eu olhei pro lado. Estava eu mal vestido ou algo assim? Fingi que sequei o suor no braço, mas estava verificando se estava cheirando mal. Nenhum cheiro. Pense no meu apartamento, mas tinha acabado de reformar.
Ela percebeu o que tinha falado e se desmanchou em risos. Murmurou que era uma piada e pediu pra eu prosseguir. Fiquei mais tranqüilo, mas não o suficiente. Talvez minha camiseta estivesse surrada e eu não tivesse percebido. Meu cabelo, talvez. Mas resolvi prosseguir.
Contei que, na verdade, ando muito tempo dentro de casa, e fazia algum tempo que não via algum amigo ou algo que o valha. Que ultimamente tenho sentido um bocado sonolento e que achava que estava emagrecendo anemicamente. Ela riu novamente conforme eu mudava de assunto com uma rapidez um bocado bruta.
-Fazia tempo que não me divertia tanto. – ela me disse. Acho que estava tentando me animar, pois contei de uma experiência traumática de quando uma barata subiu na mesa da cozinha e eu quebrei o prato, tentando matá-la. E ela fugiu. – E não digo isso tentando animar! –Ela adivinhou meus pensamentos.
Ela me contou como está tendo problemas com a família. Não conseguia arrumar trabalho e os irmãos não a ajudavam a cuidar da casa. Que comiam feitos porcos a aposentadoria do pai. Que o namorado da amiga estava dando em cima dela. E como não conseguia se socializar com ninguém.
Com relação a essa ultima afirmação, achei um tanto precipitada. Ela era uma pessoa muito simpática, mas as pessoas a subjugavam pela beleza. Afinal, mulher bonita não devia ser inteligente. Ou de companhia agradável. Apenas boa de cama. Coisa que nunca concordei duzentos por cento.

Olhei no relógio. Cinco e trinta. Ficamos duas horas e alguns milhares de minutos conversando tolices, sentados e eu nem havia percebido que já tinha começado a ficar escuro. Fora, realmente, uma tarde um bocado agradável.
Ela também sacou um celular azul da bolsa e conferiu as horas. Perguntou se nos veríamos mais vezes e eu afirmei que sim. Lógico, nunca imaginei que me divertiria tanto sentado num café de quinta conversando groselhas com alguém. Convidei-a para ir ao meu apartamento na noite seguinte, para um jantar e ela concordara com um sorriso.
Paguei a conta. Não queria que ela realmente pensasse que eu estava querendo dinheiro. Coisa que eu realmente não precisava, afinal, tinha acabado de receber um abono do meu serviço. Levantamos-nos e eu a levei para casa, a dois quarteirões dali. Conversamos mais groselhas a caminho da casa dela, enquanto riamos feito loucos, contando das vezes em que nos encontramos (assumo, foram poucas). Ficamos ao portão da casa dela conversando, quando realmente chegou a hora que ela precisava entrar. Eu, estabanado como sou, fui cumprimentá-la com um aperto de mão formal. Ela segurou minha mão e me puxou para um beijo no rosto. Não sei se mencionei, meus movimentos são um bocado retardados, então não virei o rosto direito.
Acabamos trocando um pequeno selinho. Coisa que, particularmente, eu não estava esperando. Separamos-nos e ela ficou um pouco corada. Ela abaixou os olhos e vi algo no rosto dela que nunca tinha visto. Resolvi me aproximar de novo e beijá-la pra valer.
Encostei meus lábios nos dela uma vez. Apenas encostei. Me separei pra ver o efeito e vi que ela não fizera nada contra. Pelo contrario, ela sorriu. Encostei meus lábios no nariz dela e ela deu uma risada. Sempre fui de ficar tentando as pessoas quando vou beijá-las. Cria um clima engraçado. Expectativa, talvez. Encostei meu lábios pela terceira vez nos lábios dela, enquanto passei as mãos pela cintura fina dela. Ela jogou os braços por trás do meu pescoço e retribuiu meu beijo.
Ficamos assim por algum tempo, até que decidi que era hora dela entrar. Me afastei carinhosamente, dando um último beijo na ponta de seu nariz e disse um ‘até amanhã’.
Esperei ela entrar, enquanto ela mandava um tchauzinho da porta. Me afastei com a sensação de que várias coisas a partir dali iam mudar na minha vida. Começando pelo fato de que nunca mais ia me atrasar para um compromisso. E perceber que nunca tinha me apaixonado de verdade por alguém até agora me deixou feliz.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Giz de Cera

- Luciano, você está bem?
Ele virou o rosto em direção a voz que ouvi. Vinha de Dani, colega de faculdade. Viu que fazia uma careta de desaprovação, pois, ao invés de ouvir o professor, Luciano estava muito além...
A cada dia que passava, Luciano tinha um maior controle sobre seu dom, de maneira mais eficiente e com maior poder, assim por dizer. Conseguia agora ficar por horas sem ouvir uma voz sequer. Às vezes, berros secos surgiam brutalmente, fazendo-o acordar de um sonho um tanto quanto utópico.
- Desculpe, Dani – Sorriu Luciano. Um sorriso forçado e quase que exagerado. – É que me veio umas coisas em mente.
Quanto a isso, ele não mentia.
- Não é porque você é inteligente e tudo o mais que tem que ignorar as aulas. – Disse, seca.
O professor já ignorava a comum falta de atenção do rapaz. Aliás, qualquer um ignorava a presença de Luciano, exceto um restrito grupo de duas pessoas.
Havia um exercício na lousa branca. E esse era o motivo pela qual Dani chamara a atenção de Luciano.
Loura, baixa, absurdamente magra. Olhos claros e profundos, onde finas olheiras envolviam na pele quase prateada. Cabelos na altura da cintura fina, que combinava com a finura do cabelo, fazendo com que se esvoaçassem com extrema facilidade. Era meiga no modo de se vestir, sempre com uma aparência bem animada e repleta de cores fortes, porém sempre combinando bem entre elas. Hoje, usava um tênis branco e meias listradas na altura dos joelhos. Macaquinho jeans por cima de uma alegre camiseta roxa e branca.
Luciano a olhou por alguns momentos. “O que será que acontece com ele. É sempre tão desligado e tão relaxado. É como se... não se importasse com nada.”. De repente, se virou para Luciano e deu um sorriso.
Com a boca levemente aberta, Luciano saiu da sala sem pronunciar uma única palavra. Já tinha ouvido centenas, talvez milhares de pensamentos. Sé de Dani, uma grande parcela.
Mas nunca algo sobre ele. Por incrível que pareça.
Quando chegou ao banheiro, enfiou a cabeça embaixo da torneira, deixando toda a água escorrer para seu pescoço. A água escorria, mas os últimos minutos não saiam da cabeça de Luciano. Fechou a torneira, secou-se com alguns papéis e se olhou no espelho.
Seus cabelos haviam coberto suas orelhas por completo. Seu rosto parecia pálido e seus olhos absurdamente arregalados. Pôs as mãos no rosto e assim viu o famoso retrato de Edvard Münch a sua frente, como se berrasse. Não sabia se corria ou se permanecia estático. Por fim, passado algum tempo, resolveu voltar à sala.
Quando saiu, se deparou com Christopher, que parecia amedrontado. Luciano se assustou.
- Chris?
- Oi Luciano. Você saiu da sala tão... O que aconteceu com seu cabelo?
Chris ficou roxo. Ele era bem branco, mas possuía a pele bem bronzeada, devido ao tempo que ficava exposto ao sol. Seus cabelos, perto do ombro, tinham um tom marrom claro, combinando perfeitamente com seus olhos escuros. Como sempre, a barba por fazer, dava-lhe um ar agressivo, mas que combinava com sua aparência. Jeans rasgado nos joelhos, camiseta escura e tênis comum.
- Enfiei a cabeça embaixo da torneira. Precisava pensar um pouco. Vamos indo que explico no caminho.
Luciano falou que, quando a cabeça doía, ele molhava a nuca. Chris não fez objeções.
Entraram novamente na sala. O professor os olhou e soltou uma risadinha debochada, mas não fez comentários. Os alunos levantaram o rosto por um segundo, mas logo abaixaram pro papel.
- Poderia me responder, Luciano – começou o professor, assim que Luciano se sentou – como devo fazer este exercício?
E olhou desconfiado para Luciano que, não por maldade, simplesmente se levantou, pegou a caneta da mão do professor e rumou para a lousa, sem olhar para trás.
- Não sei explicar. Só fazer.

Quando saíram, Luciano, Dani e Chris sentaram em algum dos bancos que estavam próximos ao prédio onde teriam aula, ao ar livre. Enquanto Chris e Luciano discutiam animadamente sobre a última prova, Dani revirava a bolsa. De repente, quando puxou um embrulho laranja, um giz de cera azul caiu “Ops, como isso veio parar aqui?”.
Luciano pegou o giz, sem realmente tocar ele. “Por que a Dani carrega um giz na bolsa?”, pensou Chris. Quando Luciano devolveu o giz, Dani ficou corada, enfiou o giz na mochila e sorriu.
- Deve ter sido minha irmã – “Detesto parecer idiota na frente do Lu”.
Ainda assustado, mas não o bastante para sair correndo, Luciano sorriu e murmurou um “tudo bem”. Chris deu uma risada, se virando para Dani.
- É agora, Dani?
- Sim!
Os dois ficaram em pé, se colocaram na frente de Luciano e disseram em uníssono.
“Feliz 18 anos, Luciano.” E o embrulho laranja nas quatro mãos, estendidos para Luciano.


O Grito - Edvard Münch