domingo, 11 de fevereiro de 2018
terça-feira, 23 de junho de 2015
A Lista (Ou Os Monstros de Amara)
Amara escrevia uma lista de compras. Fazia um bom tempo que
ela não o fazia. Estava sentada toda curva sobre um pedaço de papel, remoendo o
tubo da caneta preta, enquanto pensava nos itens de sua lista. Já tinha
revirado os armários vinte e sete vezes, quase o número de vezes de invernos vividos.
Suas listas, quando mais nova, eram recheadas de itens como biscoitos, doces,
balas e filmes. Hoje, se tinha um chocolate era muito.
Deu um longo suspiro. Coçou a cabeça, levantando a cabeça em
direção ao armário e viu a porta semiaberta, presa por algum pedaço de roupa
mal dobrado ou algo que o valha. Ficou encarando a porta por longos segundos
decidindo se deveria verificar a origem do problema ou se ignoraria até a
próxima ida ao guarda roupas. Optou por voltar a sua lista. Ela se lembrou que,
quando criança, tinha medo do armário, pois acreditava que os monstros lá
moravam. Inclusive, uma vez foi tentar caça-los com uma espada de brinquedo, e
ali ficou por longo minutos presa, até que alguém a encontrou e resgatou.
Parecia que sua pequena jornada tinha acabado mais cedo e de forma mais
frustrante que imaginava.
Aparentemente, o monstro do armário não tinha ido embora,
mas ela não mais o encarava, então ficaram quites.
Prendeu os cabelos no alto em um coque apenas para solta-los
de novo. Tomou uma xícara de algo que estava na pia que tinha cor de café, mas
gosto de sapólio. Foi até o mercado com sua lista, percorrendo de prateleira a prateleira,
procurando os itens. Era um processo automático, não a fazia pensar. Amara
estava com outros 162 problemas na cabeça, quase que sua altura em centímetros.
No caixa, ela teve um vislumbre de um senhor barrigudo, carregando uma sacola
de compras nas costas com um olhar mareado, como se não estivesse de fato ali.
Lembrou de quando lhe contavam a história do Homem do Saco, que raptava
crianças que não se comportavam direito. O senhor barrigudo poderia muito bem
estar carregando uma criança, pensou, mas o saco estava imóvel. E nunca fez
muito sentido para ela alguém que raptava crianças mal comportadas. Amara sempre
foi bagunceira, mas o tal homem nunca apareceu.
Ela ficava olhando na janela de sua casa para ver se ele
iria aparecer depois de alguma traquinagem. Via alguns homens maltrapilhos
passando, mas eles nunca entraram. Então estavam quites por ora.
Enquanto ordenava os itens no armário, já a noite, percebeu
que tinha esquecido de comprar sabão. Ela pensou em voltar ao mercado, mas como
já havia escurecido, não seria uma boa opção. Ela resolveu então simplesmente
colocar sua camisola e deitar. Ao pressionar o interruptor, a lâmpada deu um
estalo e se apagou. Amara ficou tateando no escuro até pegar o celular e
iluminar as gavetas atrás de uma lâmpada. Obviamente, sem sucesso, uma vez que
não estava na lista. Resolveu simplesmente deitar e ficar encarando o escuro.
Ela lembrou das várias histórias que lhe contavam antes de dormir, por causa do
medo do escuro. Algumas tinham uma menina perdida num país maluco, outras um
rapaz que podia voar, nunca envelhecia e tinha sua própria turma.
Ela sentia um medo abismal do escuro e seus monstros. Mas
imaginando todas as histórias, ela adormecia rápido e não tinha de lidar com
ele por muito tempo. Então estavam quites por ora.
Mas bem.
Os monstros de Amara nunca foram embora. O monstro
continuava no armário. O Homem do Saco permanecia vagando. Os monstros do
escuro continuavam a fazer barulho quando a luz apagava. Mas todos eles
perceberam que Amara tinha tanto medo deles quanto da realidade. E que, quanto
mais ela cresceu, maiores ficaram os monstros dela. Todos eles se apiedaram e
resolveram deixar Amara em paz.
Então estavam quites. Por ora. E Amara continua assustada.
Apenas com monstros maiores.
segunda-feira, 5 de maio de 2014
Sr. Oliveira
Conforme as lendas antigas, os gregos construíram uma
grandiosa cidade e quiseram que ela tivesse um Deus padroeiro. Decidiram então
instituir uma competição entre os favoritos, que no caso eram Poseidon, rei dos
mares e Athena, dona da sabedoria. Aquele que desse o melhor presente a cidade,
seria padrinho e a cidade seria batizada em seu nome. Então Poseidon, com seus
bondosos olhos azuis, num bater do seu tridente, fez a água dos oceanos emergir
para a terra e assim criou o cavalo, que serviria com meio transporte para a
população. Mas o fato é que o cavalo era meio arrojado e muito feroz, e os
habitantes tinham certa dificuldade em domá-lo. Palas Athena,
com seu sensato olhar cinza, domou rapidamente o cavalo, e ainda criou a
Oliveira, que é uma árvore que fornecia frutos para a população, óleo para suas
lanternas, lenha para suas fogueiras, essências para seus incensos, azeites e
óleos medicinais entre outras funções.
Assim surgiu a cidade de Atenas. E assim surgiu a Oliveira,
a árvore da sabedoria. E assim eu começo a história.
Eu não vim para refletir sobre antigos mitos gregos. Apesar
de acreditar que por vezes, os deuses podem sim se transformar temporariamente
em humanos, para nos testar, nos dar conselhos e ensinar-nos lições, não sei se
creio duzentos por cento em tudo isso. Eu vim hoje para falar do Sr. Oliveira.
O Sr. Oliveira era um rapaz antes de qualquer coisa. Jovem.
De natureza simples. Seus olhos eram azuis como o mar, mas com pequenos traços
de cinza e amarelo. Era esperto e gentil. Particularmente não me recordo de
nenhum momento que tenha sido rude, até mesmo quando o vi nervoso com alguma
coisa. Sentia a necessidade, por mais que negasse pelo que percebi, de se ligar
ao mundo, apesar de já ter boas conexões pelo que percebi.
Era um rapaz extremamente peculiar. Esbanjava felicidade nos
momentos que o vi. Adorava sua cidade natal, sua terra, e falava dela com um
fervor que causava uma vontade absurda de conhecer. Era incrível como ele tinha
esse dom, o de convencer usando essa paixão natural que tinha. Falando em
paixão, era um apaixonado por urbanidades e arquitetura. Café e filmes de
terror. O que muito diferia da minha personalidade, pois sou o maior medroso do
universo. Tem até alguns filmes que ele me recomendou que eu nunca assisti, e
agora tenho até certa curiosidade em vê-los. E os que eu vi ele simplesmente me solta
um 'Mas esse filme de terror é muito fraco!' ou 'Stephen King escrevia livros
de terror de histórias que eu imaginava quando era adolescente. Aquilo não
assusta ninguém' ou algo que o valha. Convém dizer que eu discordava um pouco,
o que gerava bons debates. Éramos absurdamente diferentes, em quase que todos
os aspectos.
Ele era extremamente realista. Ele sabia diferenciar bem o
que era ficção do que não era e, por isso, acabava se tornando meio cético com
coisas mais.... infantis eu diria. Não estou dizendo que isso é uma coisa ruim,
pelo contrário, é só um aspecto que achei curioso. E esse realismo dele o fazia
ser muito sensato, o que o, aparentemente, deixava com os pés no chão. Mas é
incrível como cada vez que eu começo a divagar sobre ele, lembro de mais
coisas. Apesar de tudo isso, ele era um baita dum sonhador. Ele tinha seu plano
de vida, carreira, sabia o que queria muito cedo. Isso pode parecer para alguns
uma coisa normal, mas eu achava fantástico alguém tão jovem com sonhos tão
altos. E pensava alto mesmo, e pelo que percebi não tinha medo de mostrar isso.
Aliás, nunca o vi ter medo de nada.
Lembro dele e começo de novo a recordar o carinho que ele tinha
pelos amigos. Muitas vezes ele simplesmente se irritava ou cansava, mas ele
preferia simplesmente guardar para ele, pelo simples 'não vale a pena'. Ou
outros motivos nunca esclarecidos. Ele era um bom ouvinte, sempre estava de
prontidão para ouvir quem precisasse dele pelo que percebi, mas ele às vezes
sentia necessidade de falar, mas sempre guardava. Dificilmente o vi reclamar ou
falar que o estivesse de fato incomodando, algo que não seja físico, lógico.
Claro, ele adorava criticar. Mas é bem diferente. Paulistas e Paulistanos era
um assunto à parte. Aliás, convém dizer que o Sr. Oliveira apenas morava em São Paulo, mas era na
verdade do Espírito Santo. Viera apenas estudar e estava havia oito ou nove
meses, não me recordo com certeza.
Eu tenho certo receio em voltar a olhar algumas conversas
que tive com ele. Minha memória ainda está bagunçada e cheia de lembranças e
citações aleatórias e coisas bagunçadas. Lembro que fui exemplificar uma
metáfora para ele e simplesmente o balancei. Sim, eu o peguei pelo braço e o
chacoalhei. Lembro da cara de assustado dele e ainda me arranca um sorriso. Mas
também lembro que mais tarde ele me disse que tinha entendido de primeira, que
não precisava daquilo. Então rio de novo. E de certa forma fico triste com tudo
isso.
De qualquer forma, eu poderia passar horas ou até dias
contando fatos sobre o Sr. Oliveira. Mas eu não consigo passar mais que alguns
minutos falando dele sem de fato me comover. Porque, mesmo que nos conhecemos
por pouquíssimo, sinto uma ligação muito forte com o Sr. Oliveira. Não sei até
que ponto isso era verdade para ele também, mas para mim foi. Tanto que resolvi
escrever todo esse texto só para poder, assim, eternizar o não eterno Sr.
Oliveira, que nos deixou dia vinte e três de abril de dois mil e quatorze,
antes de completar vinte anos.
Deixo, por fim, uma homenagem sonora, de uma música que o Sr. Oliveira gostava. E que muito convém a ocasião. Daydreamer - Adele.
sábado, 5 de abril de 2014
Eloquência número quatorze
Sou ferro.
Sou feno.
Sou ferrenho em tudo
Que quero.
E espero
Sinceridade,
Cumplicidade,
Quem sabe amizade.
E não peço,
Despeço
Juras de falso amor.
Horror
Que um dia
Sentia.
Por muito me entregar.
Enganar
A quem me fazia falta.
Pausa. Para um concerto de piano.
E mais um engano.
E me sinto um impostor
Um encantador de ofídios.
Por que ser sincero
Nunca me trouxe nada além de meros
Sonhos, ilusões, pensamentos.
É como se no meu truque barato
O enganado
Fosse eu.
sábado, 15 de março de 2014
Da chuva
Que se inicia repentina
Ou anunciada.
Que se permite.
Que molha e inunda
Que é admirada
E muito odiada.
Molha o pé
E a alma.
Inspira o músico sonolento
E o amante apaixonado.
Que escurece o dia
E clareia num Arco-íris.
Mesmo quem vê da janela
Ou ao vivo de uma poça de lama
Se afetam.
Se permite ser inesperada
Ou ter aviso de chegada.
Que deixa permitir.
Que molha e encharca
Que se reluz
E relampeja.
Que deixa molhado o pé
E deixa encharcada a alma.
E o músico sonolento canta
Inspira o amante apaixonado que ama.
Que mesmo com Nimbus
Ou gotículas de óleo refletidas pelo sol.
Mesmo de longe
Ou de perto
É afeto.
Ou anunciada.
Que se permite.
Que molha e inunda
Que é admirada
E muito odiada.
Molha o pé
E a alma.
Inspira o músico sonolento
E o amante apaixonado.
Que escurece o dia
E clareia num Arco-íris.
Mesmo quem vê da janela
Ou ao vivo de uma poça de lama
Se afetam.
Se permite ser inesperada
Ou ter aviso de chegada.
Que deixa permitir.
Que molha e encharca
Que se reluz
E relampeja.
Que deixa molhado o pé
E deixa encharcada a alma.
E o músico sonolento canta
Inspira o amante apaixonado que ama.
Que mesmo com Nimbus
Ou gotículas de óleo refletidas pelo sol.
Mesmo de longe
Ou de perto
É afeto.
segunda-feira, 22 de abril de 2013
Monitoração de Consciência
Ano passado coisas terríveis eram ditas sobre mim. De fato,
eu não fiquei sabendo na hora, só depois, bem depois. E é horrível isso.
Quando fiquei doente, mais comentários terríveis. O mais terrível
foi quando eu estava numa cama de hospital, sem saber quando ia sair de lá e
sendo tratado como se nada tivesse acontecido. Um colega me disse depois o
quanto de arrependido foi consumido pelas besteiras covardes que foram ditas
naquele período. O quanto de choro que foi derramado porque não sabia o que
dizer, então disse demais. Os julgamentos precipitados feitos fora daquele
quartinho 3X3 de hospital, onde tomei sei lá quantos mil comprimidos e quantas
centenas de injeções.
Quando saí de lá, tomei nota desses comentários maldosos,
que fique bem claro. Muito claro.
Agora que faz nove meses que saí de lá, ainda não me
considero plenamente recuperado. Muito estrago físico e psicológico foi feito,
e não só pela minha saúde, mas pelas pequenas coisinhas que descobri nesse
período. E descobri que aqueles pequenos comentários maldosos começaram a surgir
à tona de novo.
Gostaria de dar um conselho. Não espere eu estar numa cama
de hospital de novo para se arrepender do que fala. Pode ser que, da próxima
vez, eu não saia dela. Ou saia apenas para um lugar pior, mais escuro e mais
gelado.
Obrigado.
às
01:08
Adesivos
Batata,
Forasteiro,
Fraternidade,
Sobrancelha,
Tourada
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