segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Leões Dourados e Espelhos Púrpuros

- Vovó, me conta uma história?
- Claro Mariana.Qual você quer dessa vez? A Bela Adormecida?
Mariana fez uma careta.
- Não Vovó. Essas princesas não estão com nada. Ficam esperando príncipes e os cambaus. Quero algo novo.
A velha olhou Jonas e soltou uma sonora gargalhada. Jonas lhe deu uma piscadela e virou-se pra Mariana. A velha se recuperou e voltou a falar.
- Claro que conto, minha pequena. O que acha da história dos Espelhos Púrpuros e os Leões Dourados?
- Leões... Sim, eu quero essa!
A avó lhe sorriu, pigarreou e começou a contar:

“Era uma vez um planeta escuro e afastado.Ao contrário do nosso planeta, ele não possui nenhuma estela muito próxima, o que o torna escuro e gelado.
A pouca claridade que tinha era proveniente de estrelas bem minúsculas e bem afastadas do planeta. Os moradores deste planeta já eram acostumados a enxergar no escuro. Aliás, eles não só enxergavam no escuro como também refletiam essa escuridão.
“Eles eram os Espelhos Púrpuros.
“Eram redondos, como ovos, e tinham uma leve cor arroxeada em suas formas espelhadas. Possuíam pernas e braços finos, e eram desprovidos de pescoços. Tinham a cabeça junto com o globo e tinham olhos pequenos, mas que enxergavam bem longe. Eram desprovidos de sentimentos bons, como compaixão, alegria, amor...
“Havia poucos Espelhos Púrpuros. Como existiam muitas guerras, vandalismos e destruições naquele planeta, eles derretiam com facilidade. Derreter era a forma como deixavam de existir.
“Certo dia, no auge de uma das mais devastadoras batalhas dos Espelhos Púrpuros, surgiu três grandes luzes no céu. Pareciam estrelas cadentes. Conforme essas luzes desciam, rugidos roucos vindos desses brilhos ficavam cada vez mais retumbantes. Em pouco tempo, todos os Espelhos Púrpuros estavam apreciando o show de luzes e rugidos vindos de céu.
“Até que...”

- Vovó?
- Sim, Mariana.
- Eram os Leões Dourados?
A velha gargalhou novamente.
- Sim Mariana. Eram os Leões Dourados.

“Os Espelhos Púrpuros perceberam que os brilhos estavam indo em direção ao centro da guerra. Amigos ou inimigos, estes se afastaram correndo e se acotovelando para sair de perto. Mas não longe o bastante para não verem o que aconteceria a seguir.
“Os brilhos desceram sobre o campo silenciosamente. De tão brilhantes e luminosos que eram, os Espelhos Púrpuros tinham dificuldade para enxergarem e distinguirem as formas.
“Eram gigantescos Leões Dourados. Três enormes. Patas do tamanho de patas de elefante, quase três metros de altura, jubas douradas que mais lembravam coroas. Olhos bem abertos cor de mel, que observavam tudo de maneira bem atenta. Olhavam as manchas púrpuras do chão, que eram os Espelhos Púrpuros mortos em batalha.
“Com um rugido bem alto, os Leões Dourados se agitaram no lugar, bem a vista dos Espelhos Púrpuros escondidos em depressões ao longo do campo de batalha.
“Um dos Espelhos Púrpuros resolveu se aproximar dos Leões Dourados. Ele andava cautelosa e vagarosamente. Conforme se aproximava, o rugido dos Leões fora ficando mais e mais baixo, até que um dos Leões parou de rugir e virou-se para o Espelho. O Leão se aproximava do Espelho, que agia reciprocamente. O Espelho percebeu que o Leão possuía olhos tristes e quase que chorosos. Assim, ele parou a cerca de três metros do Leão e fixou o olhar nos olhos do mesmo. Assim, começou a rachar.
“Começou com uma rachadura fina, mas foi se alargando e se espalhando por toda a extensão do corpo do Espelho Púrpuro. A essa altura, todos os outros habitantes daquele planeta já não estavam mais escondidos, estavam olhando o que acontecia ao Espelho.”

- Ele não sentia dor, Vovó?
- Não Mariana. Pelo contrário.
Jonas pigarreou. Mariana o olhou com uma careta como se dissesse “Não interrompa”.

“O Espelho Púrpuro começou a gargalhar, como se sentisse uma alegria imensa. E, de repente, se rompeu em vários cacos. Onde estava, surgiu uma figura muito semelhante a um humano, mas com braços e pernas finos e compridos, corpo mais comprido e orelhas mais pontudas. Um bocado fino e desajeitado. Pele com um tom azeitonado e com certo brilho próprio. Desta vez, cabelos longos e escuros lhe caía pelos ombros, formando cachos em torno do pescoço comprido e fino.
“Todos os outros Espelhos começaram a rachar. E deles foram surgindo seres semelhantes àquele primeiro. Todos com expressões de alegria e felicidade imensa.
“Os Leões Dourados se ergueram no ar e, com um rugido, voltaram ao céu. Em determinado momento, os três seres brilhantes se encontraram no céu, formando um único foco de luz, capaz de cegar qualquer humano que olhasse diretamente para aquilo, de tão grande e brilhante que era. Desse ponto de encontro, quando foi diminuindo a luz, percebeu-se que surgiu uma estrela, algo como se fosse o Sol para nós.
“Daquele dia em diante, os Espelhos Púrpuros passaram a ser mais atenciosos e cuidadosos com o pequeno planeta, que se encontrava destruído. Em uma das suas lendas, dizem que, se o planeta for novamente dominado pela treva e ódio, os Leões voltarão e lhes tomarão a única fonte de luz.”

- Que diferente, vovó. – Disse a garota, enquanto batia palmas.
- Gostou, Mariana? – Perguntou a velha, sorrindo.
- Muito. Mas tenho uma pergunta.
- Qual seria?
- Os Espelhos Púrpuros... Como se chamam agora?
- Essa é outra história, minha neta, e será contada outro dia.
Jonas olhou a velha e pigarreou. Mariana se levantou e rumou para a cozinha.
- Por que não lhe contou, vovó?
- Acredito que crianças devem ser crianças enquanto puderem ser crianças.
Após um sorriso mutuo, Jonas beijou a avó no rosto e saiu, para acompanhar Mariana.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Sobre Destino, Caminho e Escolha.

Eu já fiz minha escolha e já tomei meu caminho. Deveras estar noutro lugar, que não o meu. Nunca escolhi errado. Nunca caminhei aleatoriamente. Nunca deixarei me levar numa constante cachoeira de acontecimentos.

Mas, quase que por uma ironia do destino, a inércia começou a adquirir território anteriormente dominado. E assim sinto-me puxado por toda essas gotas de atos formando essa cachoeira.

Anteriormente, sono e torpor. Hoje, sono e torpor. Meus ossos mudaram, mas meu destino não. Minhas mãos estão maiores, mas nem por isso agüento uma carga maior de emoções. Afinal, posso não ser um poço de sentimentos, mas também não sou um buraco negro sem emoção.

Por incrível que possa parecer, parece que a aparência da escolha se modifica a cada sorrateiro passo que por mim é dado. E mais uma brusca e sutil escolha deve ser feita. Mas como a inércia é mais forte, prefiro o certo ao duvidoso. Como diziam alguns, não tenho o espírito empreendedor, mas que empreendedor arriscaria até sua vontade? Claro que me falta esse espírito, mas nem por isso devo ignorar.

Se, por acaso, eu resolva brutalmente mudar, de alguns fatos irei sempre me lembrar:
Destino é único;
Caminhos são limitados;
Escolhas... Essas sim são infinitas.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Carta da Madrugada

Joana

Quando ler esta carta, deverá ser a manhã de um belo dia de sol. Eu a escrevi durante a noite, enquanto você dormia abraçada ao travesseiro roxo. Preparei esta mesa de café da manhã para que possa desfrutar assim que acordar, olhando pela janela em frente a este papel, vendo que naquela pequena árvore contem bilhares de borboletas imaginárias, que você pode ainda não as enxergar, mas ao final da carta, as verá.
Camisolas. Ora, que idéia mais fabulosa. Uma gaveta só para camisolas. Sabia que adorava guardar suas coisas bem esparramadas, mas uma gaveta só para camisolas me parece algo genial. Sempre vejo gavetas com papéis, roupas íntimas juntas, camisetas ou camisas juntas, calças juntas. Mas unicamente camisolas é a primeira vez que vejo.
A minha noite de chegada a São Paulo fora esplêndida, Joana. Sinceramente, havia muito tempo que não me divertia tanto. Sua sensibilidade em me buscar no aeroporto junto com meu pai doente fora espetacular, não esperava isso. E esperava menos ainda que fosse usando seus tênis roxos. Não havia me dito que os tinha perdido? Enfim, esqueci de lhe perguntar isso ontem.
A propósito, por volta desta hora, devo estar a caminho do centro da cidade. Precisei encontrar meu pai por lá para ver alguns problemas com meus documentos. Perdi boa parte deles com o contrato falso. Não quis lhe acordar porque parecia tão jovial deitada naquela cama. Resolvi então lhe preparar essa mesa de café.
Joana, queria lhe dizer que adorei a forma como manipulou a noite para que ela durasse mais tempo que nenhuma outra noite durou. Sentia uma imensa saudade da sua voz, da sua boca, dos seus cabelos rubros. Do modo como me abraça e consegue sentir meu coração bater entre suas mãos. De tocar meu peito e sentir além de uma carne como qualquer outra. E por fazer de mim algo pensante e com sentimentos, sinto-me alguém absurdamente mais humano depois dessa noite.
Por essas e outras que, durante algum tempo, ficarei longe de ti. Amo-te e, enquanto estive fora, pensei em você o tempo todo. Mas acredito que toda nossa conversa de ontem seja compreendida. Eu realmente a amo e não posso ficar na sua vida como um peso morto, igual ao meu irmão. Preciso de um emprego e preciso de uma vida social. Quero pedir-lhe em namoro, noivado, casamento ou que diabos de nome tenha esses compromissos, garotinha. Quero cuidar de ti pra sempre, e sempre ter-te comigo.
Te amo, Joana.


E sempre irei.
Edgar.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Inspiração e Inocência

Inocência.
Freqüentemente ouço essa palavra seguida da palavra ‘boa’. Não entendo muito bem o porquê da junção das duas, mas tudo bem. E dificilmente ouço perto das palavras ‘rude’ ou ‘bruto’.
Enfim, estava a pensar sobre as inocências da vida. Muito dizem que tem a inocência roubada. Eu acredito que a inocência é um estado de espírito. Ou até mesmo uma qualidade.
Sinceramente, não consigo acreditar em ninguém roubando a inocência de alguém. Dizem que com palavras, ações ou mesmo transmissões de pensamentos é possível remover tal qualidade ou estado. Mas eu não acredito.
Aliás, acredito que uma pessoa pode ser ‘bruta’ ou ‘rude’ ou, como alguns adoram dizer ‘má’, sendo inocente.
Vamos apelar ao querido Michael:
Inocência: 1 – Falta de culpa; 2 – Qualidade de inocente; 3 – Candura, pureza; 4 – Ingenuidade.
Inocente: 1 – Inofensivo, inócuo; 2 – Isento de culpa; 3 – Cândido, puro; 4 – Pessoa inocente; 5 – Criança de tenra idade.
Bom, continuo crendo que inocente é uma qualidade que não determina pessoa boa ou má. Que, aliás, é um conceito bem ultrapassado, esse de bom ou mau. Mas não é disso que falo agora.

Inspiração.
Freqüentemente ouço essa palavra seguida de ‘esperto’. Não entendo muito bem o porquê da junção das duas, mas tudo bem. E dificilmente ouço perto das palavras ‘sono’ ou ‘dispnéia’.
Enfim, estava a pensar sobre as inspirações da vida. Muitos dizem que tem a inspiração perdida. Eu acredito que a inspiração é uma ação como outra qualquer. Ou até mesmo um ato que deve ser produzido com freqüência.
Sinceramente, não consigo acreditar em ninguém roubando a inspiração de alguém. Dizem que com palavras, ações ou mesmo transmissões de pensamentos é possível inibir tal ação ou ato. Mas eu não acredito.
Aliás, acredito que uma pessoa possa ter ‘sono’ ou ‘pesadelo’ e, ainda assim, se inspirar. Ou, como alguns adoram dizer ‘morto’, sendo inspirado.
Vamos apelar ao querido Aurélio:
Inspiração: 1 – Ato de inspirar (-se) ou ser inspirado; 2 – Ato de inspirar (1 e 3); 3 – Qualquer estimulo ao pensamento ou a atividade criadora; 4 – Entusiasmo poético, estro.
Inspirar: 1 – Introduzir (o ar) nos pulmões; 2 – Fazer com que uma idéia ou concepção se apresente, sugerir; 3 – Motivar; 4 – Introduzir o ar nos pulmões; 5 – Receber inspirações; 6 – Entusiasmar-se.
Bom, continuo crendo que inspirar é um ato que não determina pessoa esperta ou sonolenta. Que, aliás, é um conceito bem ultrapassado, esse de esperto ou leso. Mas não é disso que falo agora.
Inocência é uma bela garota, assim como a Inspiração. Elas não são muito amigas, mas elas têm até que algumas afinidades. Ocasionalmente se encontram e saem pra promover a paz por aí. Ou talvez, a discórdia, depende da quantidade. São parecidas, mas completamente diferentes. Possuem sorrisos em seus rostos, mas lágrimas por vezes encharcam seus olhos.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Amicus... ou algo do gênero

Amigo presente
Amigo ausente
Amigo real
Amigo imaginário
Amigo ativo
Amigo inativo
Amigo esperto
Amigo otário
Amigo que ajuda
Amigo que atrapalha
Amigo esquecido
Amigo que queremos esquecer
Amigo pessimista
Amigo não tão otimista
Amigo bobo-alegre
Risonho
Depressivo
Magrelo
Gorducho
Irritado
Calmo
Calvo
Cabeludo
Bonitão
Feioso
Menina
Velho
Fofoqueiro
Calado
Ou algo do gênero.


De qualquer forma, se você é amigo de alguém, considere-se honrado por tal mérito, pois fácil é generalizar a termo Amigo (de Amicus, Latim). Difícil é ser um, realmente.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Reformas

Olá,

Gostaria de avisar que nos meses de Julho e Agosto, os blogs O Caderno Azul e Tempestade Cerebral estarão passando por um pequena reforma.

Portanto, não se assustem caso abram a página e verem um dinossauro saindo da tela do monitor.

Ok, exagerei um pouco. Mas será uma reforma visando uma remodelada no visual.

Agradeço a atenção

sábado, 20 de junho de 2009

Marsala Siciliano Vergine

Nem 450 maços de cigarro, 280 garrafas do velho e bom vinho Marsala Siciliano Vergine que está embaixo do armário de casa, 9.000 barras de chocolate belga conseguiriam me animar desse bendito estupor. Tem sido absurdamente ridículos esses últimos dias pro aqui. Todos os empecilhos e ações que poderiam coexistir simultaneamente estão se interagindo. Tudo é o mesmo de sempre, mas sempre tudo tem sido o mesmo. As coisas poderiam ser diferentes:

Enjoei de me levantar cedo pra trabalhar, ganhar esse inescrupuloso dinheiro, que gasto em cigarros, bebidas, chocolates e mulheres.
Enjoei de ir dormir tarde, na cama já bagunçada da noite anterior. Não queria ter de dormir, mas não queria ter de acordar uma vez que já estivesse dormindo.
Enjoei de me entupir de comida relativamente pobre em nutrientes e vitaminas, unicamente porque o gosto me apetece. São várias coisas cujo gosto me apetece que abandonei meramente por ter se tornado um vício.
Enjoei de sair sábado à noite, para uma festa de algum desconhecido qualquer, dormir com uma garota aparentemente mais nova, prometendo ligar no dia seguinte. Mas simplesmente passar o domingo deitado num sofá, comendo pipoca, assistindo filmes e fumando igual uma Maria-Fumaça.
Enjoei de viver os mesmos meses do ano. Porque dezembro está sempre quente enquanto julho congela. Queria que houvesse mais outubro e mais abril, pois, geralmente, nem conseguimos saber a temperatura que irá fazer no dia seguinte.

Por um lado, o trabalho ajuda na distração, não me faz pensar nas porcarias que ando pensando ultimamente. E quanto ao dinheiro, posso tentar me equilibrar. Comprar mais besteiras e assim aumentar a diversidade de reclamações. Trocar álcool por refrigerantes, cigarros por balas de goma (?)... Ah, deixa pra lá.
Por um lado, dormir me parece ser bem atraente. Um habito absurdamente saudável e muito calmante. E quanto ao acordar... É, acho que já esqueci essa parte.
Por um lado, comer besteiras me parece ser bem atraente. Não consigo me imaginar fatiado um pepino e comendo com iscas de cenoura crua. E quanto a vícios, a própria vida é um vicio. Não darei importância a isso.
Por um lado, eu consigo imaginar a pobre garota sentada do lado do telefone, esperando uma ligação do canalha que sou. Sim, é o que sou canalha. Quanto a isso, prometo ligar para algumas delas de vez em quando.
Por um lado, essa estabilidade de temperaturas ajuda. Imagina sair de casa praticamente seminu e pegar um frio de -12°C. Quanto a isso, poderíamos ter uma temperatura instável, mas que nos avisasse por email algumas horas antes. Seria surpresa, sem surpresas.

Agora, aqui, enquanto fumo mais um cigarro e olho essas stripper se requebrando em cima da minha mesa, não posso reclamar de muita coisa. A fumaça do cigarro nubla minha visão, mas pouco importa quando minha mão está cheia de grana e prestes a enfiá-la dentro da cinta-liga da stripper. Nunca havia feito isso, mas precisava quebrar a rotina. Chega de filosofia inútil: essa noite é pra me divertir. E esquecer meu Marsala Siciliano Vergine. E a moça do lado do telefone, o chocolate belga, as pipocas: esse licor gasoso à minha frente com cheiro de tabaco já me é suficiente.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Uma observação:

Não seja rude como eu. Não questione meu amor. Não espere bajulação. Não viva minha vida. Tenha autenticidade. Não deixe eu te usar. Não mime. Não ouse. Não estoure. Não me engane. Não engane ninguém.

Eu não questiono seu amor e, sinceramente, já não me importo mais com ele. Não criei as regras do jogo, mas era melhor que fossem discutidas desde o principio. Assim, os desencontros e os dados não teriam rolado assim como a foice do destino. Não acabou o jogo, ainda não jogamos o valete ou o coringa, mas é como se a rainha já estivesse em campo, atuando como blefe. Não que tudo seja um jogo que tenha ganhadores ou perdedores, apenas devemos nos levar como se tudo dependesse da ação do próximo.

O próximo não é oponente. É apenas o próximo. Você me conhece e sabe que eu faria algo assim uma hora. Tenho direito de viver a vida por mim, não por ti. Ok, nunca cobrara nada, porém o seu jeito me estressa. Somos opostos, somos diferentes e não somos os mesmos de antes. Isso é o que mais me estressa. O tanto que você mudara. Falta-lhe o antigo dom da comunicação que tinha, Anne. Falta-lhe muito agora. Mais do que pode imaginar. Se não consegue recordar do seu passado, me perdoe, mas não serve.

Fui rude? Então não me questione.
Se me questionou, não espere que eu volte com bajulações.
Perguntei de você? Então não diga que não sabe e jogue a moeda novamente a mim.
Quem sabe assim usa sua autenticidade e deixa-me parar de te usar?
Não bajulei, portanto, não bajule.
Não ousei, portanto não ouse.
Fui calmo, não estoure.
Não minta como fez. Nem pra mim, nem pra ninguém.
Seja feliz. Não espere que alguém a faça.

Boa noite, Anne.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Meg White

Hoje, dia 22 de maio, Meg White vai casar.

Meg White é baterista do grupo musical ‘The White Stripes’ formado também por Jack White. Muito podem dizer que o som deles é ‘magro’ e toda essa papagaiada, pelo fato de tocarem só guitarra e bateria, mas o que importa é que eu gosto e ponto final.


Jack e Meg White, em episódio de 'Os Simpsons'

Voltando ao assunto principal, Meg vai casar com Jackson Smith, um guitarrista com pais conhecidos, em Nashville, (Kansas, EUA). Eles estão juntos desde o verão passado e foram vistos várias vezes juntos próximos a residência de Meg, mas o foco não é ser um paparazzo aqui.

Apenas queria desejar felicidades a Meg, pois merece. Depois de todo aquele boato do vídeo pornô (falso) que saiu, espero que ela fique bem, seja feliz com o novo marido e que possa, futuramente, ser uma pessoa realizada na vida. Desta vez, sem ataques de ansiedade ou qualquer coisa que prejudique sua saúde. Queria poder escrever mais, mas faltam muitas palavras ainda.

Parabéns, Meg.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Sabedoria

Eu não envelheci. Sempre fui velho. Apenas ganhei experiência durante todos os anos que vivi.
O tempo não me dera todas essas rugas. Eu as adquiri passando várias manhãs olhando o sol, enquanto ele batia no meu rosto, junto às pessoas de que gosto.
Minhas pernas doem, sim. Mas eu sei que doem porque eu as usei bastante. E me foram muito úteis até agora.

E por mais que tudo aconteça, não consigo me arrepender de nada que fiz. Sei que não posso corrigir o passado, então não há com o que me preocupar.
E também não perderei tempo adivinhando o futuro. Ele virá, em seu momento certo. E não terei oportunidade sequer de pestanejar.

Quanto à morte, eu já não tenho mais medo. Ela virá, sim, e é a única certeza de que tenho na vida.
Minhas experiências? Bem, elas não são guardadas como as suas, em caixas, livros ou papeis. São guardadas em uma câmara escura, que quase não entro mais, mas que levo comigo aonde for. E eu as levarei sempre comigo, seja lá onde for.


domingo, 10 de maio de 2009

Carta de Influência

Joana:

Vejamos, se está bem não sei, mas acredito que há uma solução. Se há um problema não sei, mas acredito que há um remédio. Se há alguém que pode me ajudar não sei, mas acredito que não há alguém anda me ajudando
De qualquer forma, sempre me disseram que era melhor prevenir que remediar. Bom, o remédio que esta na dispensa está se acabando rapidamente. Mas eu não vou ficar incomodado, simplesmente vou me manter estável nesse sofá, sem pensar em nada, até o dia acabar.
Consegui reconquistar minha dignidade. Arrumei um emprego (sem extorsão agora, e me dão moradia a dinheiro pra terminar de pagar a faculdade).

Joana, sei que os últimos dois meses foram absurdamente melhores do que os últimos três antecedentes a eles. Meu irmão começou a esvanecer de nossas mentes, e assim podemos desfrutar melhor de nossas vidas. Não que eu não gostasse dele, mas acredito que a vida fora feita pros vivos, e não para ficar relembrando mortos. Sei que fora traumático pra você, mas aposto como sua recuperação está sendo absurdamente rápida, não?
Por que você não respondeu minhas últimas três cartas? Realmente, fico me perguntando se a minha presença através desta te incomoda. Eu realmente só lhe escrevo, pois acredito que talvez isso a anime, mas se sentir de alguma forma incomodada, me avise que eu paro.
Continuo firme em minha decisão. Voltarei pro Brasil na semana que vem. Esse vírus de Influenza deixa-me muito preocupado. Estou tendo um pouco de problemas com o consulado, mas quanto a isso posso muito bem dar meu jeitinho. Consegui dar um pra sair do México quando roubaram meu dinheiro.
Avise a meu pai, não consigo contatá-lo, que voltarei em no máximo três semanas. Estou preocupado com a saúde dele.

Continuo te amando Joana, mas se ler isso te chateia, por favor, avise. Eu não consigo parar de ler suas cartas rugadas, aquelas pequenas manchas de lágrimas, mas não posso me conter. Espero que, assim que chegar ao Brasil, eu seja recompensado pelo que sofri com um belo abraço seu. Já me será suficiente.

Do seu
E unicamente seu.
Edgar.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Canção da Morte - Capítulo VI

-Milorde! Desça aqui quando puder, está bem?

Max estava desabotoando as calças quando ouviu a voz lhe chamando da sala de estar. Resolvera que tomar uma ducha fria lhe seria algo muito reconfortante naquele momento de tensão. Sempre fora assim, quando estava muito nervoso, tomava um banho demorado enquanto tentava não pensar em nada. Porém, nem isso lhe ajudou muito.

A água gelada lhe descia pelos cabelos da altura do queixo. Eram tão negros que quase não brilhavam quando batia sol. Era liso e grudava-lhe sobre um dos olhos todo o tempo. Não que isso lhe incomodasse, mas o contrario. Era como se fosse seu escudo.

Ele se se encostou à parede então. E então fechou os olhos, enquanto massageava o topo da cabeça. Uma estranha sensação tomava conta de todo o seu ser. Não conseguia se libertar da sensação de vazio dentro de si, mas ao mesmo tempo tanto pensamentos lhe ocorriam que era como se pesassem sua cabeça. Ela não doía, estava pesada e formigando apenas.

Quando desligou a água, cobriu-se com um roupão vermelho confortável, que parecia lhe abraçar o corpo, assim como sua esposa jovem nos momentos de desolação. Ele se sentia quente por fora, tão quente que ducha alguma poderia apagar. Mas, por dentro, ele já estava gelado. E já fazia muito tempo.

Max se mirou no espelho por algum longo tempo. Por incrível que pareça, ele sentia que já não era o mesmo de alguns anos atrás, aquele jovem estudante que pretendia ser policial. Seu corpo era forte, mas se sentia como se estivesse mirrado, fraco. Mínimo. Não era essa a realidade. Era aquela carcaça que deixava Mary tão protegida nas noites em que o pesadelo lhe atormentava. E era isso a única coisa que lhe acalmava: Mary. Ela era seu refugio. Mesmo naquele tempo em que a luxuria tomava conta de seu ser, nas noites de sexta feira, era ela quem lhe importava. Max apenas procurava a mesma mulher em outro corpo. E ele sabia disso.

Ele desceu as escadas precariamente. Estava acostumado a quase tropeçar em um determinado degrau que rangia ao ser tocado. Quando terminou de descer as escadas, ainda fechando os botões da camisa lisa, encontrou Mary sentada ao piano, tocando uma musica lenta. Ela viu que ele descera e lhe lançara um sorriso. E recebeu a devolução.

Quando terminou a canção, ela sentou-se um pouco mais para o lado e convidou o marido a se sentar a seu lado. Ele o fez de boa vontade. Os lábios dos dois se encontraram por alguns segundos, enquanto um dos braços de Max estava em sua perna e o outro no pescoço da Mary, as mãos dela estavam repousando em seu colo, numa posição de menina casta.
Assim que se separaram, ela virou-se para o piano e disse, lentamente.
-Como se sente ao encostar nesse piano?

Max sorriu e então refletiu. Sentia uma paz, como se as teclas lhe convidassem a serem tocadas por ele. Totalmente diferente do piano de Marina. Ele era denso, que repelia quem se sentasse por lá. Foi quando entendeu que o instrumento era o reflexo do dono. Mary lhe convidava a fazer parte dela, enquanto Marina repelia a todos em seu redor. E isso impressionou Max.
-Eu me sinto como se estivesse com você – e lhe lançou um sorriso singelo – sinto a maior paz que já tive, como se já o conhecesse há muito tempo, mas que tem muito a me surpreender ainda. – piscadela

Mary retribuiu a piscadela com um olhar provocante de ingenuidade, que só ela conseguia fazer. Max se aproximou e roçou seu nariz ao dela, fechou os olhos e aproximou os lábios. E então, mais uma vez os lábios se tocaram, e não mais se soltaram.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Acaso

...e no chacoalhar do coração e no balanço do ônibus, Cintia não mais ligava pra sua péssima atuação no teste admissional. Se as dores de cabeça deixassem de existir, talvez Ronaldo nunca tivesse cruzado seu caminho.

Aliás, será que o nome da pessoa que segurava sua bolsa era Ronaldo? De que importava se, na verdade, o sorriso oferecido era sincero? Aliás, será que o nome da dona da bolsa era Cintia?

Se as dores de cabeça deixassem de existir, talvez Cintia nunca tivesse cruzado seu caminho. E no chacoalhar do coração e no balanço do ônibus, Ronaldo não mais ligava pra sua péssima saúde...

quarta-feira, 1 de abril de 2009

April Fool's Day

Hoje é Primeiro de Abril, o dia do April Fools.

Comemorem, e cuide-se quem puder.

(Na foto, April Fools, de Padrinhos Mágicos.)

domingo, 29 de março de 2009

Depois que perdi a Consciência.

Consciência!

Lembra daquele dia na cozinha em que discutíamos a cor de nossos olhos? Das minhas negras e das suas cinzas pupilas? Aquele dia que você deu uma breve escapada e só voltou agora. Enfim, lembra?

Então, estava deitado sobre a cama tentando lembrar aquela frase que me disse assim que peguei a margarina. Era algo que tinha me tocado, mas, como sempre digo, aquilo valeu apenas para o momento. Lembro que tinha o teor específico para um dia de verão e o tempero exato da nossa relação, afinal estávamos comemorando alguns dias de harmonia. Acredito que nunca tenha ficado tanto tempo com alguém, sinceramente, mas, por favor, Consciência, não me traia nesse momento e não me faça lembrar se houve alguma outra que tenha ficado comigo mais tempo que você.

Por fim, naquela cozinha, quando eu e você, Consciência, estávamos assando nosso bolo de comemoração, com minhas mãos vermelhas, minha garganta seca, minhas pernas bambas e meu nariz entupido, foi que você partiu e assim fui trago para cá. Se o bolo queimou ou ficou cru, não me recordo. Você fugiu como a fumaça de um cigarro na chuva, fazendo assim me esquecer de tudo.

Espere, posso ver o que aconteceu. Eu fui lavar o rosto e deixei a porta do forno aberta. Sim. Mas onde você estava, Consciência? Ficou no banheiro e me abandonou? Ah, claro, porque a senhora tem a mania de nos abandonar no momento mais preciso: quando estamos lavando roupas, andando de ônibus, ouvindo música ou mesmo vendo televisão. Não que eu te utilize 1440 minutos por dia, mas estamos acostumados a ficar sãos, Consciência. Exijo, a partir de hoje, que fiques aqui durante, pelo menos, 1380 minutos por dia. Assim posso pensar melhor e resolver os problemas com mais claridade. Mas, antes disso, tenho de sair dessa cama de hospital.

Bom, agradeço pela pequena visita. Me fez refletir sobre a maneira a que vim parar aqui. E isso é bom, porque já estava me sentindo um louco sem você aqui. Claro, qualquer pessoa sem você se sente perdido, mas me dê prioridade, uma vez que eu não posso abandonar esse lugar esbranquiçado. Como eu detesto branco. Mais que aquela fumaça nos olhos. Na verdade, me importo mais com cores que com sons. Eu realmente não ligo mais pros sons desde que estamos vivendo juntos, Consciência. Eu era tão inconseqüente sem você.

Bom, Consciência, agradeço novamente sua visita, mas vou dormir até conseguir lembrar onde eu moro. Espero que lá ainda não esteja cheirando gás e que eu possa viver lá sem te perder de novo.

Agora pode me deixar dormir?

sexta-feira, 20 de março de 2009

Portal

Se realmente houvesse uma passagem, ou portal, melhor falando, de um mundo real para um mundo ideal, eu ficaria preso no portal.




Talvez seja exatamente por isso que nenhuma dessas passagens tenha se revelado a mim ainda. Falta-lhes paciência para tanto.

sexta-feira, 6 de março de 2009

A Catástrofe.



No melhor deles, ouvi passos precipitados na escada, a campainha soou, soaram almas, golpes na cancela, vozes, acudiram todos, acudi eu mesmo.

Era um escravo da casa de Sancha que me chamava

- Para ir lá... sinhô nadando, sinhô morrendo.

Não disse mais nada, ou eu não lhe ouvi o resto. Vesti-me, deixei recado a Capitu e corri ao Flamengo.

Em caminho, fui adivinhando a verdade. Escobar meteu-se a nadar, como usava fazer, arriscou-se um pouco mais fora que de costume, apesar do mar bravio, foi enrolado e morreu. As canoas que acudiram mal puderam trazer-lhe o cadáver.


Machado de Assis - Dom Casmurro, Capítulo CXXI
Globo Vídeos - Capitu, Minissérie, Capítulo V

domingo, 1 de março de 2009

Monitor de Sentimentos

Em resposta e complemento ao Sentimentalismo de Monitoramento


Podem vigiar minhas ações. Podem vigiar minhas palavras. Podem tentar dar uma leve espionada nos meus pensamentos. E é isso que estão fazendo.
Posso fugir. Tenho minhas armas também e posso utilizar quando mais me agradar. Mas prefiro me manter na defensiva, pois atacar pioraria a situação.
Já sei até onde foi o monitor. Consegui uma leve amostra do meu mais sagaz sentimento e o utilizei na missão. E pude concluir que pouco sabem verdadeiramente sobre mim. Usaram o sistema correto, mas sobre o protótipo errado. Se tivessem acertado, lhes teria sido o trunfo final.
Afinal, agora que lhes bloqueei a saída, para impedir a descoberta do verdadeiro protótipo, posso afirmar que podem vigiar tudo, menos uma coisa. Mesmo se tivesse acertado o protótipo.
Por fim, declaro guerra contra mim mesmo. Pois posso me precaver de algumas invasões de privacidade, de ações e outros. Isolar-me-ei para proteger meu ultimo monitor que pode ser vasculhado. Esse, posso garantir, ninguém mexe.
Desafio-te. Crie para mim um Monitor se Sentimento. E me avise quando acabar. Não esconda como da outra vez.
Agradeço-te.
A direção.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O Casamento


A noiva foi a primeira a chegar. Sem dúvidas. E também fora a última a deixar o altar e a a Igreja.
Leve e exageradamente decorada com flores laranja e alegres, que exalavam um cheiro quase que alvo, a aparência alegre e estival da Igreja contrastava com o Inverno frio e melancólico que repulsava nos corações presentes. Falsamente desanimados, os familiares sussurravam os nomes do noivo e da noiva numa mesma oração, com espaço de tempo inferior a um suspiro.
Eu acreditava que, geralmente, em casamentos se usasse roupas claras e alegres. Mas parece que todos não gostavam muito da noiva e, por isso, usavam seus belos trajes negros, longos e improvisados. A propósito, da família da noiva, eu não via ninguém.
A não ser o canivete brilhante que eu rodava entre as mãos. O mesmo que unira meu primo à noiva, a Morte.
Ainda assim, consegui sorrir na minha macia e confortável roupa branca.

Eu consigo segurar o riso, fato.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Garota abraçada ao Caderno Espiral

“Lá em cima daquela serra,
Passa boi, passa boiada,
Passa gente ruim e boa,
Passa a minha namorada.”

Guimarães Rosa, Sagarana.

Aliás, tinha centenas de pessoas reunidas num mesmo e pequeno espaço. Era asfaltado, com cobertura cor-de-vinho-velho. E várias pegadas esbranquiçadas, dos mais variados tipos de calçados, das mais variadas cores e dos mais variados tamanhos. E todas rumavam em direção às pequenas salas onde seus donos se silenciavam sob o alarde ensurdecedor.
Estava quente. Provavelmente o dia mais quente do ano. Por mais que algumas árvores cercassem o lugar e a sombra do prédio se expandisse pelas centenas de cabeças reunidas em torno do portão que estava prestes a abrir, a mancha de água rodava todas as pessoas nas camisetas, marcando exatamente em baixo dos braços. Ainda faltava meia-hora para a abertura, mas o comum da biologia humana é o sofrimento por antecipação. É claro, as machas de suor não são de calor. São de pré-ocupações.
Assim como Luciano, essas seriam testadas a fio e sem qualquer piedade. E boa parte desse grupo era jovem, com cerca dos seus dezoito anos. Pré-acontecimentos. Pré-ocupações. Pós-adolescência. E por isso vieram.
Luciano estava até que bem tranqüilo. Taqueava um jogo no celular relaxando enquanto o portão de vidro quebrado não se abria. A princípio, parecia ser o único que tinha condições de sobreviveras quatro horas que se seguiriam.

Ria-se da menina abraçada ao seu caderno espiral, rindo escandalosamente sob aquele sol escaldante e arrebatador. Luciano concentrou-se e riu da piada que tinha ouvido da outra garota, localizada a 10 metros de distância. Seus ouvidos estavam cobertos por música alta, mas não era inevitável que pudesse ouvir mais do que os sons que percorriam os fones. Isso porque Luciano tinha treinado o final da semana inteira para bloquear os sons adversos a sua própria mente.
Seria, até mesmo, injusto da sua parte exercer seu dom num local onde seria testado com as mesmas aptidões dos outros candidatos. Alem disso, era amedrontador ter de ouvir quarenta pensamentos numa sala onde teria que se concentrar arduamente. Telepatia, misturada a apatia. O chiclete, a borracha e a lapiseira azul.
As cinqüenta questões, as quarenta pessoas, as quatro janelas e as duas canetas esferográficas preta. Nada de maior interesse. A não ser que prefira levar em consideração o ventilador rodeando sobre as cabeças ferventes dos vários submetidos a provação.
Luciano não era exceção. Fervia com sua cabeça tentando se concentrar nas suas questões e não nos gritos que subitamente surgia-lhe a mente, fingindo uma possível convicção de controle. Lembrava unicamente do livro sobre a cabeceira. Lá, estava um livro de contos, entre eles, o de um garoto que tinha o mesmo dom que ele.

Mas qual a diferença? Depende da referência.

Por exemplo, Luciano é real. Danny não. Danny adora sorvete de chocolate, Luciano não.
Meras diferenças e brutas semelhanças abasteciam a mente do garoto que precisava de um momento, apenas um momento, para se concentrar na sua provação. E, com absoluta certeza, ele não precisava se lembrar do outro garoto.
Desviando os olhos do ventilador, Luciano retomou sua concentração e sua lapiseira e fitou as doze folhas de papel a sua frente. E sorriu.

Doze horas depois estava jogado na cama, com os pés descalços e as mãos sob a nuca. Refletia instrospectivamente sobre a loucura do pai e a ausência mental da mãe.
Tinha acertado quarenta de cinqüenta questões no vestibular, onde a telepatia se fundia a antipatia. Ou à apatia.


O Iluminado

domingo, 11 de janeiro de 2009

Platonismo ou não? Eis a questão.

Tentar fugir é inevitável. Eu tentei mais de uma vez e digo: será em vão da próxima também.
Eu, Roberto, posso garantir posso garantir que os regressos e as fugas, por mais opostos que sejam um do outro, são movimentos esquivos que jamais devem ser ignorados ou praticados.
Deixe-me explicar minha teoria… Antes, a mim.

Nunca fiz questão de me preocupar em como seria minha vida depois de determinado período. Pretendia sofrer meu presente explorando meus males de forma obtusa e antiquada. Sinceramente, nunca consegui. Nunca explorei porcaria nenhuma de forma nenhuma. No fim das contas eu ignorava tudo e ponto final.
Eu tinha um determinado tipo de fobia social. Não conseguia me ver no meio das multidões, não importando a qual tipo de multidão seja. Aliás, multidões servem exatamente para este propósito: muvucar. Mas não é disso que estamos falando. O que na verdade importa é que eu era cinza num mundo colorido. Isso quando não era colorido num mundo cinza. Esse meu lado casto é um tanto engraçado pois, mesmo depois de duas décadas e meia de vida, nunca mudou.
Relacionamentos? O meu mais longo fora com Viviane. Seis meses na primeira tentativa e três meses na segunda. Mas já explico como aconteceu. Alias, nunca tive um relacionamento durável com qualquer uma.
Minha família é simplesmente imensa! Estava sempre a fugir e tentar conquistar o meu particular, ou seja, estava sempre cercado por primos, tios ou algo que o valha. Mesmo não querendo. Mas não tenho mais motivos pra me preocupar com isso.

Viviane.
Surgiu sutilmente na minha vida. Acredite, foi assustador. Sabe aqueles amigos de amigos do vizinho da cunhada da prima de tal fulano? Essa era Viviane. Não importa sua descrição, não que não mereça, claro, mas aí vou me prolongar e ter de explicar mais milhares de coisas vãs. É isso que você quer agora?
Amigos por alguns dias. Subjetivos por algumas semanas. Namorados por alguns meses. Foi bem assim: ela me seduziu. Parecia que o modo como ela falava comigo era adaptado, pois eu ouvia as conversas dela com outras pessoas e me espantava. Comigo era solta, com um sotaque “Cult” e assuntos não finitos. Pode acreditar, ninguém nunca tinha se dedicado dessa forma por mim. Por isso, cedi. E a amei algum tempo depois.
Mesmo com meus ataques de “Bento Santiago”, acreditava que minha Capitu era tão casta quanto eu. Sem duvidas, até hoje não sei se estou enganado. Enfim, após nossos longos meses de namoro, algo foi crescendo que me incomodava incomensuravelmente. Não que seja verdade, mas eu me sentia sufocado. Viviane me dava toda privacidade, mas o problema era comigo. Então provoquei o término da relação. Com um ataque de ciúmes doentio que era inexistente. E então sumi.
Quatro meses foram suficientes para minha saudade me atormentar e me fazer voltar. Por incrível que pareça, fui aceito de braços abertos. Não queria que tivesse acontecido assim. Foi então que cedi pela ultima vez e pronunciei aquelas três vorazes palavras-chave. Hoje, eu preferia não as ter dito, mas, já que aconteceu, então foda-se.
Nos outros três meses, a melancolia voltou ao meu ser e, por assim dizer, não queria Viviane fisicamente comigo. Eu preferia o platonismo. É maluco, mas é o que eu sentia. E, por isso, novamente sumi.

Hoje, quando estava naquela festa familiar, o evento era o mais novo bebe da família. Filho do meu primo com não lembro quem. E o nome daquele bebe me atormentava os ouvidos irritantemente. Inclusive o mesmo apelido, que eu tinha dado a outra pessoa.
Viviane.
A última vez que ouvi tal apelido estava no alto da escada da casa. Acredito que foi a ultima coisa que ouvi.

Por isso, não adianta reviver nem fugir. Simplesmente tente ignorar.

Mas não foi o que eu fiz.