domingo, 30 de novembro de 2008

Pedido a Órion

Eu sinto um frio enorme. Meus pêlos se eriçaram e não posso controlar minha velocidade de reação. Os passos ficam mais lentos, gradativamente, e vão se perdendo por entre as calçadas. Tenho uma blusa na bolsa, mas meus braços não alcançam.
Talvez seja porque eles sabem que o frio externo não é o único presente. Mesmo com blusa, ainda estaria com frio.

A noite que se espalhava era bem estrelada. Eu podia pensar em várias coisas naquela hora, mas aquilo que me vinha à mente era sobre uma única coisa: Órion. Ele reluzia com todo o seu esplendor e sua graça mirabolante. Sempre fui de admirar as estrelas e suas fabulosas personalidades. Personalidades essas que constantemente comparecem em meus sonhos e caminhos paralelos.
Órion era um exemplo. Sempre era um guerreiro de atitude admirável. Digo mais pela aparência, pois nunca emitira uma única palavra. Se bem que, não posso ver claramente seu rosto hoje, mas sei que já o tive bem próximo a mim. Ignore o pleonasmo.
Não havia qualquer motivo para sentir frio, mas por um único momento eu sentia que podia sentir qualquer coisa que não tivesse qualquer proximidade a mim. Foi quando eu a vi pela primeira vez.
Aquela folha, quase seca, solitária, no chão.
Ate então, estava misturado ao vento. Ninguém nas ruas me via, apenas sentiam a minha presença. Eu poderia soprar, mas as sementes de dente-de-leão só iriam se soltar se eu realmente me concentrasse e as olhasse fixamente. Eu não tinha velocidade fixa. Eu não tinha som. Eu não pesava nada. Ate aparecer à folha e eu entendi tudo.

Apelei a Órion que me ouvisse e que, ao menos uma vez mais, fosse um humano e pudesse me acompanhar todo o tempo. Durante o apelo, senti que seria impossível, mesmo se quisesse pois, se realmente acontecesse, Órion seria mais um humano ocupando espaço na minha cabeça. Não poderia me dar o luxo de guardar mais alguém. Assim, mudei meu apelo imediatamente insistindo para que apenas me ouvisse e, conseqüentemente, meu mais novo desvario.
Assim como a folha arrancada da árvore, eu flutuava com o vento, não era nada mais que aquilo e, na realidade não importava mesmo. Mas o prazo era excepcionalmente curto e, a seguir, a folha iria secar. Ele tinha cumprido com sua função na arvore, assim como sua vez de ir embora chegara. Despediu-se de suas iguais e voou como uma folha, por pouco tempo até atingir o solo. E então se preparou para a maratona de tempo até secar.

Órion, antes de ver a folha, eu me senti como se não estivesse pisando no chão. Eu me sentia como se estivesse flutuando.
Órion, eu acho que ainda falta uma coisa para eu completar minha estadia. E então já posso murchar.Só lhe faço uma pergunta, Órion.

Era o meu vôo?

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Falso Túnel do Tempo

Um túnel é traçado entre o seu presente e um passado não tão longínquo assim. Percebe-se então que o fato de você ter mudado tanto é simplesmente tentando não mudar. E se você não mudou de forma alguma, foi tentando de alguma forma mudar. E que essas mudanças partiram fundamentalmente do próprio ego inflamado.

Calma, é muita informação para apenas um parágrafo.

Perceba o quanto você mudou pelas suas fotos. Perceba o quanto você NÃO mudou pelas mesmas fotos. É melhor observar pelas fotos que você tira de você mesmo. Muitas vezes a posição é a mesma, o olhar é o mesmo. Mas o sorriso, o seu pensamento ou até mesmo a fratura no seu pulso ao segurar a câmera altera alguma coisa.

Mudou. Sem querer ter mudado.
Não mudou. Sem querer não ter mudado.

Ouça aquelas mesmas musicas que você ouvia ha dois anos atrás. Parece pouco tempo, mas se você for comparar vai perceber uma mudança sutil ou até mesmo grotesca sobre o seu “paladar musical”. Digamos que aquelas não te apetecem mais, enquanto aquilo que ouves agora pode ser motivo de banalização pessoal sua. Claro, em grandes casos, você fica ouvindo alguma coisa de antes, ou antes, ouvia algo de agora. Mas perceba pelos MÍSEROS detalhes.



Um túnel é traçado entre o seu presente e um passado não tão longínquo assim.

E esse passado lhe proporcionara deliciosas visões do futuro, pode apostar.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Andrea. Te odeio.

Não é mais uma mentira sem fim, Andrea. Assumo meu amor a ti e a ti confesso meu ódio por ti. Parece redundante e oposto, mas não é. Amei-te pelas tuas meias, seus sorrisos, seus olhos, seus cabelos, sua pele e mais alguma coisa que não me lembro. Odeio-te pelos teus gestos, seus gostos, sua ironia, seu macabro amor a qualquer um que cruza seu caminho, sua confiança a mim e alguma coisa que não possa ou não queira lembrar.

Odeio o fato de tanto suportar falar e odeio-me por ter de sobreviver aturando suas falsas lagrimas de amor desfeito, refeito, malfeito e feito. Eu demorei vinte anos até encontrar a verdadeira amada. E você encontra o seu verdadeiro amado a cada esquina. Céus, como estou repetitivo! Mas é só porque você é repetitiva, amiga-amante. Pronto, crio agora um titulo pra você! Amiga-amante. Amiga minha, Amante de todos os outros. Você é tão crua que posso até te delimitar em algumas palavras. Não é como todos os outros humanos, indefiníveis com relação a adjetivos.
Você conseguiu.


Sabe quando despertou essa revolta em mim? Sabe?
Desde quando desceu por aquela porcaria de escada do cursinho. Que, por acaso, não mais freqüenta. Faz um mês que não a vejo naquela droga de escada, que só serviu pra tirar meu sono a noite. Escada, frio, Andrea e sono. Combinação maldita. Te odeio

Te odeio.
Como te odeio.

Amiga-amante. Desfrute da tua gloria social com seu sorriso a todos e suas lagrimas a mim. Porque todos desfrutam de seus sorrisos. Foi assim que conseguiu me atrair.


Sabe quando alimentou meu ódio, Andrea? Sabe?
Quando reproduziu minhas palavras seguras de boa honestidade ou de ma interpelação, aparentemente ingênua. Sei, não sou dono de todas as minhas frases, que tens o mesmo prazer literário que eu, o mesmo pensamento sobre torradas com geléia de morango ou o mesmo idioma. Eu podia me gabar, em tese, mas foi naquele segundo que percebi o quão sugado venho sido.

Amiga-amante. Desfrute de sua glória social com minhas falas e minhas lagrimas que em silencio são derramadas. Meu choro puro que demorou poucos anos para surgir. Desfrute do meu amor que nunca mais terás odiável-querida, amiga-amante. Como diz Drummond (detesto reproduzir frases alheias a mim, pois de alguma forma não me sinto digno de reproduzi-las. Pena que não pense o mesmo.) “o meu ódio é o melhor de mim”, ou algo que o valha. Pense bem, você tem o meu melhor e o meu pior. Tens a minha chuva de lagrimas, minha dádiva de sorrisos, meus dedos alérgicos. Alias, teve. Não mais os tem.


Quer saber de uma coisa?
Caralho, você é a primeira que eu escrevo cartas, a primeira a querer ser minha amiga (amante dos outros hehe), a primeira a ter meus olhos mareados e minhas brilhosas e escuras pupilas.
Pode conferir, na minha primeira carta, que você nunca recebeu, o quão detestável ser eu sou. Nunca falo de mim nas cartas, pois sou tão medíocre que sequer mereço atenção. E por isso te odeio pelo fato de estar certa co relação a mim. Não lhe mereço, não mereço atenção. Mesmo você tentando me dar alguma. Não mereço uma foto ao teu lado como um idiota qualquer numa avenida sem fim onde pombas, carros, pessoas e folhas passam sem serem notados. Nem podemos, futuramente, nos deitar na grama fria e seca de algum lugar qualquer e rir das nossas fotos, porque nem isso temos.

Consegue imaginar esse dia? O dia em que nós nos reencontraríamos e estivermos longe dessa nossa situação atual que tanto me aflige e tanto lhe agrada, Andrea. Eu queria poder, mas meu futuro é tão negro quanto uma noite de sono mal dormida que já é de praxe eu presenciar.

Só pra reafirmar Andrea, te amo te odeio.
Até a próxima e ultima.
Carlo.

sábado, 8 de novembro de 2008

Rena de pelúcia, chaveiro de Alce

Toda vez que Luciano andava por algum lugar sozinho era assim.

A cada passo que ecoava sentia como se houvesse reverberações dentro dos seus pequenos miolos que, por acaso, andavam fervilhando de idéias tolas e incompreendidas. Era como se coletasse varias palavras ao longo do seu caminho, colocasse num liquidificador, pulsasse e bebesse aquela mistura de melancolia, alegria e frustração. Era como se coletasse os pensamentos de cada pessoa que cruzasse seu caminho, enfiasse numa batedeira, pulsasse e colocasse no forno lento, enfiando logo após aquela gororoba goela adentro.
Porém, dessa vez, tudo fora exatamente igual.

Sentou num banco exatamente no centro do corredor de um shopping que cheirava álcool. Aparentemente interessado num joguinho de celular, mas após longos dez minutos de pura modorra, se irritou e fora a procura. De um banheiro.

Cada pessoa, cada objeto, cada caveira em tênis de vitrine ficava guardado na memória e no cérebro oco de Luciano. Que, por acaso, não tinha preocupação nenhuma, a não ser ficar vivo e asseado até as oito da noite.
Era sete e quarenta e nove. Ou seja, era uma missão praticamente impossível, pois, a partir do momento que sua cabeça não agüenta nem mais o peso dos próprios cabelos, é difícil agüentar outro alguém. Mesmo que esse outro alguém sejam sua Rena de pelúcia ou seu chaveiro de Alce.

A vontade de ir embora, tomar um bom remédio e se esvair em sono e torpor era imensa. Mas, se fosse, e apenas se fosse, não poderia reclamar posteriormente que não fizera nada ao fim da tarde.
Apesar de já ter se divertido o bastante, coletado dez pensamentos alheios e variados. De variados tipos de pessoas:

*Eu não acredito que não tinha mais aquela blusa!

*Minha mãe não me comprou sorvete.

*O que aquele cara ta me olhando?

*Nossa, que gostosa!

*Caralho. Eu vou botar pra foder nessa porra.

*♫”Don’t you go to the broken bricks, girl!” ♪

*Quê que eu faço?

*Ligar para a atendente, mandar fazer novos contratos com a empresa Palestina e demitir o Romeu.

*Rosana, mio amoré. Aonde estas?

*Dinheiro? Dinheiro… Dinheiro!


...conseguia se divertir um pouco mais.

Óbvio!

Luciano era telepático e telecinésico. E tinha de agüentar até as oito da noite. E era sete e quarenta e nove.

Toda vez que Luciano andava por ai sozinho era assim.