segunda-feira, 25 de março de 2013

Sobre Almofadas



Uma vez conheci um rapaz diferente.
Na verdade, ele era mais diferente fisicamente que em qualquer outro aspecto, mas acho que o físico magrelo dele não entra nessa questão.
Conversamos por pouco tempo. Acredito que um mês apenas, umas duas vezes na semana. Foi pouco, assumo, mas o bastante pra me fazer refletir em algumas coisas um bocado interessantes. Devo adiantar-me e dizer que não sei mais do paradeiro deste rapaz, e na verdade nem me interessa saber isso hoje. Acredito que a época de nos falarmos já foi o suficiente e que somos tipos incompatíveis para qualquer tipo de conversa hoje em dia.
Mesmo que um dia nos encontremos em qualquer lugar confortável, como um sofá, e sentemos por uma hora, talvez não houvesse mais o que falar. Pelo menos não da minha parte. Seria extremamente desconfortável, por mais almofadas que existam entre nós.

Devo dizer que ele gostava muito, muito mesmo, de falar. Na verdade não me lembro da voz dele, mas lembro que ele gostava de falar. Ele falava sobre tudo, e parecia às vezes que não havia filtro entre o cérebro e a boca. Falava sem pensar, mas não que isso fosse ruim ou ingenuidade. Prefiro definir isso como transparência. Soa mais agradável pelo menos.
De qualquer forma, Ele falava sobre ele, as ruas, lugares que foi, coisas que gostava e mais ainda das que não gostava. Essas ele falava um bocado, era incrível. Lembro o quanto disse que detestava fotos de pessoas em frente a monumentos, e que suas fotos são sempre em frente a um fundo branco. Nunca entendi bem o motivo desse gosto, mas nunca questionei. Essa parte dele não me interessava.
Na verdade, eu me interessava quando ele começava a falar sobre ele mesmo. Isso sim era bem divertido. Explicarei mais para frente.

Lembro que me disse que um dia, viu um casal no ônibus. Mas a menina não ficava beijando o menino ou dando aquelas risadas esgarçada como as meninas faziam geralmente com seus namorados, ela brincava com ele, conversando com um sorriso, enquanto ele dava uns petelecos na cabeça dela e a chamava de 'feiosa'. Nada semelhante aquelas propagandas de pasta de dente, sabe? O casal sorridente que conversa com sorrisão de boca aberta, diferente daqueles dos comerciais que com o hálito fresco não desgrudavam os lábios um do outro. Mas tinha alguma coisa ali. Eles não se tratavam por 'lindo', 'bebê' ou algum desses apelidos carinhosos e pegajosos que casais fazem. Era mais 'cabeção', 'feiosa' e 'chulézento'.
Lembro que me disse isso com os olhos brilhando e, no fim, soltou um risinho dizendo: "Será que algum dia vou achar alguém pra me chamar de 'cabeção' ou algo assim?". Sorri mas não respondi. Na verdade, a gente nunca sabe o que responder para essas pessoas quando elas perguntam sobre o futuro delas.

Uma coisa que muito me intrigou, na verdade, foi quando comecei a analisar, de certa forma, criticamente o comportamento dele. Uma das coisas que me fazia refletir sobre ele era que ele dizia ser muito sentimental. Que se machucava fácil com as pessoas, que se decepcionava facilmente com elas. E que as deixava entrar na sua vida muito fácil, coisa que sempre acontecia pelo que percebi. Ele dizia não ter companhias, amigos e outras coisas do gênero, mas com um quê de exagero ele até que é cercado por bastante gente. Talvez eu entre no mérito 'quem é mais anti-social, ele ou eu?' mas vou me abster a falar dele. Onde eu estava mesmo?

Ah, então, ele dizia que as pessoas entravam muito fácil na vida dele, faziam uma baderna qualquer e saiam. Mas pelo pouquíssimo tempo que conversei com ele percebi um padrão que talvez mesmo ele não percebesse.
De fato, ele deixava as pessoas se aproximarem com muita facilidade. E elas o faziam, pois ele é alguém muito simpático, e diferente fisicamente, como disse. Mas ao contrário do que ele dizia, que as pessoas entravam e faziam bagunça na vida dele, e por isso se machucava fácil, percebi que o que acontecia era exatamente o oposto: ele afastava as pessoas discretamente. Elas tentavam se aproximar, penetrar de alguma forma naquela couraça atraente que era seu ego, e este ego de certa forma era convidativo. Mas, sem sinal, sem nada, ele acaba removendo a pessoa da couraça, e não sabe se explicar. E, por isso tanta gente ao redor dele, todos querem penetrar sua couraça, mas quando conseguem, ele expulsa. E por isso ele diz ter poucos ao seu redor. Ele não deixa tempo para que os outros procurem um lugar ao redor dele, peguem uma almofada e se sentem. Ele pega sua almofada antes, se levanta e deixa os desconhecidos a paisana.

Sabe, este era um rapaz muito bacana e simpático. Lamento muito que, de certa forma, tenhamos perdido o contato. Simplesmente aconteceu que, quando fui buscar minha almofada para me sentar perto e ouvir mais estórias, ele já tinha ido embora com a almofada dele.

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