sábado, 26 de julho de 2008

Carta de Suicídio

Joana:
Eu fui para um lugar melhor, pode apostar.
Sei que nunca fui bom o bastante para ter os seus sentimentos. Eu estive durante muitos anos ao seu lado, sentindo isso. Sei que te aflige toda a situação que fiz você passar, desempregado, morando no mesmo apê que você, comendo da comida que você comprava e bebendo compulsivamente. Mas entenda que precisei disso.
Desde que minha mãe faleceu, eu precisei de muito carinho de uma garota atenciosa como você. Mas sei que tudo não passava de uma grande farsa que nós entramos, minha garota. Seus lençóis ficavam quentes, mas seu corpo permanecia gelado como uma pedra, naquela ultima noite. Eu sei, parece um tanto de loucura, mas eu sei quando você se sente animada ou não. Seus pés não conseguem mentir como você.
Joana, Joana...
Desde que te vi, com aquela música do The Cure tocando naquele barzinho, que senti que era você. Parece que foram dois segundos atrás. Seu casaco peludo que eu odiava. Como conseguia usar aquela coisa alérgica e rosa? Eu espirrava só de chegar perto quando usava aquilo. Mas não vem ao caso.
Você é a garota com quem eu quis passar o resto da minha existência. Não me importa o que ache de você, pra mim, você é tudo. Não digo que é perfeita, mas até seu modo de errar me impressiona. É incrível como você fica vermelha, abaixa o rosto de pede desculpas naquele tom de criança chorona que só você mesmo sabe fazer. Sua unha do pé, pequena e arredondada, seus olhos escuros como um véu, sua voz doce como um pêssego. Joana, Joana...
Seu tênis vermelho está bem ali, à esquerda. Consegue vê-lo? Eu estava admirando, lembrando-me daquela noite que andamos no parque. Como você consegue fazer essas coisas? Chutou a pobre árvore sem ver! Eu sei que a arvore não se importou, mas o pobre tênis e seus lindos dedos se importaram. Ahh, que saudades daquela noite, daquela estrela, daquele banco quente.
Enfim, eu creio que você esteja chorando agora, tenho de lhe reconfortar ao invés de mencionar esses fatos.
Eu fiz porque te amava demais. E eu escutei quando você disse a Lucia o que queria fazer. Eu não ia suportar a idéia de ficar sem você, Joana! Você sabe o quanto eu te amei. Mas não se sinta culpada, eu lhe juro, você será recompensada por isso. Posso parecer mesquinho por querer fazer monopólio de você, mas é que você sempre foi tudo o que precisei! E não estou falando de dinheiro, moradia ou lençóis limpos e quentes.
Você me deu tudo àquilo que nunca tive de nenhuma garota. Não sei explicar.
Mas enfim, fiz isso apenas porque queria te libertar desse meu assédio moral. Não ia conseguir dizer tudo isso e meramente sair da sua vida. Ia querer sempre voltar pra te ter em meus braços novamente, ou querer saber se já teve filhos, ou se já se mudou. Eu não ia poder fazer isso, mas ia fazer.
Joana, por favor, só lhe peço um ultimo favor, me perdoe por isso, ta bem? Alias, tem outra coisa: deixei um baú perto dos seus tênis. Lá tem varias fotos e textos que quis lhe enviar, mas nunca tive coragem. Sempre fui um covarde de carteirinha, sabe disso.
Alias, nunca tive qualidade alguma pra ser exato. Tem uma música do White Stripes que diz isso: Se há algo de bom em mim, eu sou o único que deve saber. Não me recordo o nome, mas é isso que diz. Ao contrario daquela musica do The Cure que eu detesto: como assim garotos não choram? É o que fiz até os últimos dez minutos.
Estou quase conseguindo o que quero. To escrevendo essa carta enquanto arrumo a cena desse quarto vazio. E também tomo coragem. Alias, consegui finalmente.
Beijo Joana. Eu sempre te amarei.
Do seu e eternamente seu
Eduardo.

Um comentário:

Douglas disse...

Caramba!
Confesso que a emoção fluiu quando li essa carta!
Bom Texto Pedro!
xD