terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

No Café

Eu sabia que tinha um sorriso idiota na cara. Mas também sabia o quão inevitável ele surgira no meu rosto.
Estava sentado em uma das cadeiras mais baixas, encostado a uma mesa pequena, longe do balcão e em frente ao vidro. Olhava para o lado de fora do café com uma freqüência que diria que era até absurda. Revirei meu pulso, acho que pela sétima ou oitava vez, e vi que o horário ainda não tinha mudado. Duas e quinze, ainda estava quinze minutos adiantado.
Olhei para o prato a minha frente. O croissant de queijo estava com uma aparência horrível, como se tivesse sido atropelado pela manada de mamutes gigantes e frio como se tivesse sido colocado no congelador, ao invés do forno. O café estava amargo, mas eu não reclamava. Pedi sem açúcar, pois fazia algumas horas que eu não dormia e precisava me manter acordado por mais algumas. Talvez o açúcar não me fizesse muito bem também. Mas não estava preocupado com nada disso.
Olhei para o celular e vi que meu pulso não mentia. Estava quinze minutos adiantado. Não sei pra quê diabos resolvi chegar mais cedo, afinal, eu sempre chegava atrasado. Mas hoje era uma exceção a qualquer coisa.

A porta do café se abriu. Finalmente. Afinal, ELA estava atrasada. Dez minutos. Naquele dia jurei a mim mesmo que nunca mais ia me atrasar a qualquer compromisso.
A princípio, ela não me encontrou. Lógico, eu estava de óculos escuros. Quando percebi, eu os tirei do rosto e dobrei cuidadosamente em cima da mesa, enquanto ela vinha e se sentada exatamente a minha frente.
Ela logo veio se desculpando do atraso, que tinha acontecido um funeral de mosquito na casa da tia da irmã do vizinho da cunhada dela, ou algo que o valha. Talvez fosse até menos dramático. Fingi não ter ligado, mas estava bufando por dentro. Me senti um pastel mal comido.
De alguma forma, ela estava mais bonita que no dia anterior. Não sei se tinha cortado os cabelos louros, ou se simplesmente tinha os colocado atrás das belas orelhas que ela possuía. Na verdade, ela estava tão bela quanto nos outros dias, mas é que meu humor estava um bocado melhor. Apesar da raiva pelo atraso.
-Fico feliz que tenha vindo – Eu disse, sem ter a plena certeza disso – Eu realmente estava precisando de alguma… companhia.
Frisei a ultima palavra, mas sem nenhuma malícia. Mas pelo jeito ela não havia me entendido. Ela ergueu a sobrancelha e me encarou com os olhos dourados. Olhos estes que eu achava os mais lindos de toda a galáxia. Não que tivesse visitado algum outro planeta.
Ela bebericou um pouco da água que acabara de chegar e pediu um chá gelado com torradas. Quem diabos come torradas às duas e quarenta da tarde? Enfim, preferi não me desviar do foco. Assim que o garçom se fora, ela voltou a me encarar com os brilhos dourados.
-Eu tenho que me desabafar com alguém, e achei que talvez fosse a pessoa ideal para isso. – expliquei rapidamente, vendo que a postura dela ficara mais relaxada com a minha afirmação. Talvez ela estivesse achando tudo um tédio. Mas eu não tinha opção. Eu realmente precisava de companhia. E ela era a única disposta a me ouvir. Bom, se bem que eu gostava mesmo da companhia dela, mesmo quando ela grunhia alguma coisa sem sentido, como ela fez agora.
-Bom, entendo que esteja em condições um tanto precárias. É dinheiro o problema? – soltou ela, num segundo.
Eu olhei pro lado. Estava eu mal vestido ou algo assim? Fingi que sequei o suor no braço, mas estava verificando se estava cheirando mal. Nenhum cheiro. Pense no meu apartamento, mas tinha acabado de reformar.
Ela percebeu o que tinha falado e se desmanchou em risos. Murmurou que era uma piada e pediu pra eu prosseguir. Fiquei mais tranqüilo, mas não o suficiente. Talvez minha camiseta estivesse surrada e eu não tivesse percebido. Meu cabelo, talvez. Mas resolvi prosseguir.
Contei que, na verdade, ando muito tempo dentro de casa, e fazia algum tempo que não via algum amigo ou algo que o valha. Que ultimamente tenho sentido um bocado sonolento e que achava que estava emagrecendo anemicamente. Ela riu novamente conforme eu mudava de assunto com uma rapidez um bocado bruta.
-Fazia tempo que não me divertia tanto. – ela me disse. Acho que estava tentando me animar, pois contei de uma experiência traumática de quando uma barata subiu na mesa da cozinha e eu quebrei o prato, tentando matá-la. E ela fugiu. – E não digo isso tentando animar! –Ela adivinhou meus pensamentos.
Ela me contou como está tendo problemas com a família. Não conseguia arrumar trabalho e os irmãos não a ajudavam a cuidar da casa. Que comiam feitos porcos a aposentadoria do pai. Que o namorado da amiga estava dando em cima dela. E como não conseguia se socializar com ninguém.
Com relação a essa ultima afirmação, achei um tanto precipitada. Ela era uma pessoa muito simpática, mas as pessoas a subjugavam pela beleza. Afinal, mulher bonita não devia ser inteligente. Ou de companhia agradável. Apenas boa de cama. Coisa que nunca concordei duzentos por cento.

Olhei no relógio. Cinco e trinta. Ficamos duas horas e alguns milhares de minutos conversando tolices, sentados e eu nem havia percebido que já tinha começado a ficar escuro. Fora, realmente, uma tarde um bocado agradável.
Ela também sacou um celular azul da bolsa e conferiu as horas. Perguntou se nos veríamos mais vezes e eu afirmei que sim. Lógico, nunca imaginei que me divertiria tanto sentado num café de quinta conversando groselhas com alguém. Convidei-a para ir ao meu apartamento na noite seguinte, para um jantar e ela concordara com um sorriso.
Paguei a conta. Não queria que ela realmente pensasse que eu estava querendo dinheiro. Coisa que eu realmente não precisava, afinal, tinha acabado de receber um abono do meu serviço. Levantamos-nos e eu a levei para casa, a dois quarteirões dali. Conversamos mais groselhas a caminho da casa dela, enquanto riamos feito loucos, contando das vezes em que nos encontramos (assumo, foram poucas). Ficamos ao portão da casa dela conversando, quando realmente chegou a hora que ela precisava entrar. Eu, estabanado como sou, fui cumprimentá-la com um aperto de mão formal. Ela segurou minha mão e me puxou para um beijo no rosto. Não sei se mencionei, meus movimentos são um bocado retardados, então não virei o rosto direito.
Acabamos trocando um pequeno selinho. Coisa que, particularmente, eu não estava esperando. Separamos-nos e ela ficou um pouco corada. Ela abaixou os olhos e vi algo no rosto dela que nunca tinha visto. Resolvi me aproximar de novo e beijá-la pra valer.
Encostei meus lábios nos dela uma vez. Apenas encostei. Me separei pra ver o efeito e vi que ela não fizera nada contra. Pelo contrario, ela sorriu. Encostei meus lábios no nariz dela e ela deu uma risada. Sempre fui de ficar tentando as pessoas quando vou beijá-las. Cria um clima engraçado. Expectativa, talvez. Encostei meu lábios pela terceira vez nos lábios dela, enquanto passei as mãos pela cintura fina dela. Ela jogou os braços por trás do meu pescoço e retribuiu meu beijo.
Ficamos assim por algum tempo, até que decidi que era hora dela entrar. Me afastei carinhosamente, dando um último beijo na ponta de seu nariz e disse um ‘até amanhã’.
Esperei ela entrar, enquanto ela mandava um tchauzinho da porta. Me afastei com a sensação de que várias coisas a partir dali iam mudar na minha vida. Começando pelo fato de que nunca mais ia me atrasar para um compromisso. E perceber que nunca tinha me apaixonado de verdade por alguém até agora me deixou feliz.

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