sábado, 2 de janeiro de 2010

Giz de Cera

- Luciano, você está bem?
Ele virou o rosto em direção a voz que ouvi. Vinha de Dani, colega de faculdade. Viu que fazia uma careta de desaprovação, pois, ao invés de ouvir o professor, Luciano estava muito além...
A cada dia que passava, Luciano tinha um maior controle sobre seu dom, de maneira mais eficiente e com maior poder, assim por dizer. Conseguia agora ficar por horas sem ouvir uma voz sequer. Às vezes, berros secos surgiam brutalmente, fazendo-o acordar de um sonho um tanto quanto utópico.
- Desculpe, Dani – Sorriu Luciano. Um sorriso forçado e quase que exagerado. – É que me veio umas coisas em mente.
Quanto a isso, ele não mentia.
- Não é porque você é inteligente e tudo o mais que tem que ignorar as aulas. – Disse, seca.
O professor já ignorava a comum falta de atenção do rapaz. Aliás, qualquer um ignorava a presença de Luciano, exceto um restrito grupo de duas pessoas.
Havia um exercício na lousa branca. E esse era o motivo pela qual Dani chamara a atenção de Luciano.
Loura, baixa, absurdamente magra. Olhos claros e profundos, onde finas olheiras envolviam na pele quase prateada. Cabelos na altura da cintura fina, que combinava com a finura do cabelo, fazendo com que se esvoaçassem com extrema facilidade. Era meiga no modo de se vestir, sempre com uma aparência bem animada e repleta de cores fortes, porém sempre combinando bem entre elas. Hoje, usava um tênis branco e meias listradas na altura dos joelhos. Macaquinho jeans por cima de uma alegre camiseta roxa e branca.
Luciano a olhou por alguns momentos. “O que será que acontece com ele. É sempre tão desligado e tão relaxado. É como se... não se importasse com nada.”. De repente, se virou para Luciano e deu um sorriso.
Com a boca levemente aberta, Luciano saiu da sala sem pronunciar uma única palavra. Já tinha ouvido centenas, talvez milhares de pensamentos. Sé de Dani, uma grande parcela.
Mas nunca algo sobre ele. Por incrível que pareça.
Quando chegou ao banheiro, enfiou a cabeça embaixo da torneira, deixando toda a água escorrer para seu pescoço. A água escorria, mas os últimos minutos não saiam da cabeça de Luciano. Fechou a torneira, secou-se com alguns papéis e se olhou no espelho.
Seus cabelos haviam coberto suas orelhas por completo. Seu rosto parecia pálido e seus olhos absurdamente arregalados. Pôs as mãos no rosto e assim viu o famoso retrato de Edvard Münch a sua frente, como se berrasse. Não sabia se corria ou se permanecia estático. Por fim, passado algum tempo, resolveu voltar à sala.
Quando saiu, se deparou com Christopher, que parecia amedrontado. Luciano se assustou.
- Chris?
- Oi Luciano. Você saiu da sala tão... O que aconteceu com seu cabelo?
Chris ficou roxo. Ele era bem branco, mas possuía a pele bem bronzeada, devido ao tempo que ficava exposto ao sol. Seus cabelos, perto do ombro, tinham um tom marrom claro, combinando perfeitamente com seus olhos escuros. Como sempre, a barba por fazer, dava-lhe um ar agressivo, mas que combinava com sua aparência. Jeans rasgado nos joelhos, camiseta escura e tênis comum.
- Enfiei a cabeça embaixo da torneira. Precisava pensar um pouco. Vamos indo que explico no caminho.
Luciano falou que, quando a cabeça doía, ele molhava a nuca. Chris não fez objeções.
Entraram novamente na sala. O professor os olhou e soltou uma risadinha debochada, mas não fez comentários. Os alunos levantaram o rosto por um segundo, mas logo abaixaram pro papel.
- Poderia me responder, Luciano – começou o professor, assim que Luciano se sentou – como devo fazer este exercício?
E olhou desconfiado para Luciano que, não por maldade, simplesmente se levantou, pegou a caneta da mão do professor e rumou para a lousa, sem olhar para trás.
- Não sei explicar. Só fazer.

Quando saíram, Luciano, Dani e Chris sentaram em algum dos bancos que estavam próximos ao prédio onde teriam aula, ao ar livre. Enquanto Chris e Luciano discutiam animadamente sobre a última prova, Dani revirava a bolsa. De repente, quando puxou um embrulho laranja, um giz de cera azul caiu “Ops, como isso veio parar aqui?”.
Luciano pegou o giz, sem realmente tocar ele. “Por que a Dani carrega um giz na bolsa?”, pensou Chris. Quando Luciano devolveu o giz, Dani ficou corada, enfiou o giz na mochila e sorriu.
- Deve ter sido minha irmã – “Detesto parecer idiota na frente do Lu”.
Ainda assustado, mas não o bastante para sair correndo, Luciano sorriu e murmurou um “tudo bem”. Chris deu uma risada, se virando para Dani.
- É agora, Dani?
- Sim!
Os dois ficaram em pé, se colocaram na frente de Luciano e disseram em uníssono.
“Feliz 18 anos, Luciano.” E o embrulho laranja nas quatro mãos, estendidos para Luciano.


O Grito - Edvard Münch

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