segunda-feira, 18 de julho de 2011

Chocolate Quente com Marshmallow

Ela olhou para fora. Vira os carros passarem apressadamente pelo lado de fora da janela por um minuto e suspirou. Afagou os cabelos da nuca enquanto pensava em como começar a falar. Quando movera os lábios pela terceira vez sem produzir som algum, a garçonete apareceu.
- O que o casal feliz deseja?
Sem dúvida alguma, a vontade da moça era de fuzilar a garçonete. Que idéia era essa de dizer 'Casal Feliz'? Soltou então um longo suspiro, concentrou todas as suas forças e deu um sorriso.
- Você disse que o chocolate quente com Marshmallow daqui era bom, não é?
O rapaz a fitou nos olhos com vagarosidade e murmurou.
- Sim, o chocolate quente daqui é bom. Quero um com Marshmallow e um croissant integral de queijo.
Ela repetiu o pedido e a garçonete partiu. Olhou novamente para fora e viu um casal de idosos atravessando a rua vagarosamente, sorrindo. Revirou os olhos e se virou novamente para o rapaz.
- Fazia tempo que você estava me esperando? Me atrasei um pouco.
- Não muito, uns dez minutinhos só. Estava ocioso em casa mesmo.
Pensou consigo mesma 'Então porque não disse que estava livre mais cedo?', mas relevou o pensamento e continuou a ferver os neurônios para tentar conversar com aquele rapaz. Antes que começasse a falar, ele começou a falar para o vidro.
- Sabe, sei que pode parecer uma conversa clichê, Mas o tempo hoje está realmente agradável. Sabe, esse tempo cinza, nem frio nem quente. As pessoas podem escolher se saem usando blusas ou camisetas.
Ela olhou novamente para fora e viu, realmente. Havia dois rapazes andando em frente ao café. Um usando Shorts curtos de correr com uma camiseta curta e sem mangas, conversando alegremente com outro rapaz, com longos Jeans, casaco e até um cachecol. Criava um contraste engraçado. Ela riu.
- Por que ri?
- Aqueles dois rapazes. Estão engraçados vestidos assim.
Ele sorriu por uma fração mínima de segundos e voltou à feição normal, como se estivesse com um sono permanente. Ela ainda não entendia o porquê daquele semblante fechado. Pela quarta vez, ia começar a falar, quando foi interrompida pela garçonete, trazendo os chocolates quentes e se desculpando pelos croissants, que haviam queimado, mas ela já traria outros.
Quando a garçonete se afastou, ela tocou a ponta do nariz gelado e começou a falar.
- Você me parece meio abatido. Aconteceu algo?
Ele hesitou uma resposta, olhou para o chocolate e respondeu lentamente.
- Não se preocupe, é o meu jeito habitual. Não estou abatido, pelo contrário, fico feliz de estar aqui.
Ela sorriu pela resposta, mas não compreendeu realmente o que ele quis dizer com aquilo. 'Bom, se ele diz estar feliz em estar aqui, poderia ao menos DEMONSTRAR estar'.
-É que você está com olheiras um pouco fundas e não tem falado muito. Pode conversar comigo, estou aqui pra te ouvir.
Ele hesitou novamente, deu um sorriso curto e respondeu tranquilamente.
- Fico feliz que se preocupe comigo, mas está realmente tudo bem. Me acostumei a dormir tarde e por isso as olheiras. Não sei muito o quê falar com você, mas não leve isso a mal.
- Eu só quero ajudar...
Ele tomou um longo gole do chocolate. A garçonete trouxe os croissants, agora aparentando estarem crus demais, e se retirou. A moça, vendo que não tinha muito o quê fazer, passou a fitar o vidro com a caneca de chocolate na mão.
- Não que isso interfira no meu comportamento habitual, mas eu ando com alguns problemas familiares, meu trabalho anda bem desgastante e não ando me sentido muito seguro com relação a você. Sinto que vou te perder.
Ela se manteve estática. Não esperava uma resposta tão direta do rapaz que, agora, parecia um pouco mais confortável. Era como se antes ele estava com alguma coceira que, de repente, cessou e atacou ela. Fitou mais uma vez o chocolate e suspirou.
- Olhe, eu só quero que você fique feliz. Eu também ando tendo problemas com minha família, você sabe, fui até chamada de acidente pelo meu pai, estudo numa área que não me apetece, mas preciso continuar pra não perder meu emprego. Você está abatido e não se abre comigo. Como posso ficar bem assim? Apesar de tudo, estou procurando ser feliz dessa forma.
Ele suspirou
- Parece impossível.
- É improvável, não impossível. Se eu não tentar, vou me abater para sempre, porque não é sempre que coisas boas acontecem. E mesmo assim temos de viver.
Ele abaixou os olhos para o chocolate. Pareceu com se tivesse levado uma bofetada.
- Eu quero terminar logo de estudar, é só mais um ano, e fazer uma pós em alguma coisa que eu realmente queira. Vou terminar de pagar meu apartamento e adotar um cachorro chamado Spark e uma gata chamada Diamont. Vou arrumar um emprego melhor e voltar a fazer aulas de dança. E só de pensar nessas coisas, já me dá vontade de continuar. Quais são os seus planos para o futuro? Não tem nada que te motive?
- Nunca fiz planos a longo prazo. Toda vez que os faço acabo me decepcionando ou mudando de idéia antes de acabar. Por enquanto, meu único objetivo é terminar o curso de Alemão que comecei. Eu acredito que as coisas boas não são buscadas e, sim, elas aparecem ao acaso. Assim como você surgiu.
Ela se engasgou com o chocolate. Tossiu três vezes, o suficiente pra chamar a atenção de todos os presentes no estabelecimento. Assim que se recuperou, e que todos os clientes do estabelecimento voltaram suas atenções as respectivas companhias, disse numa voz fraca e pastosa de marshmallow.
- Com todos... os problemas que eu... cough... ando tendo, não preciso de alguém que me deprima mais que já estou. Preciso de alguma motivação, alguém alegre. Alguém que queira ficar comigo e me animar. Não alguém que me diz que não tem a mínima vontade de fazer algo...
- Eu nunca disse isso, eu apenas...
- Ouça. - Ela o interrompeu - Sabe, eu gosto muito de você, quero muito que você fique bem, mas não dá pra ficarmos juntos se você não fica bem e nem procura estar bem. Não me venha com essa de que 'Temos de esperar a marolinha passar'. Se só esperarmos, nada vai acontecer.
- Entendo o que quer dizer, mas...
- E pare de falar comigo formalmente. Tem de se descontrair. Estamos saindo juntos há um mês e só vi você sorrir três ou quatro vezes. Me diz o porquê disso tudo isso?
Ele lançou um profundo e tristonho olhar a ela. Apesar de todos já terem desviado o olhar, ainda tinham os ouvidos sensíveis a conversa do casal. A caneca de chocolate tremia na mão da moça, não sabendo se por causa do frio repentino que viera da porta recentemente aberta ou se da raiva que estava sentindo.
- Eu nunca soube demonstrar bem meus sentimentos. Eu... peço desculpas por isso tudo e vou entender se você quiser lançar esse chocolate na minha cara.
De fato, o chocolate pulava da caneca dela. Assim que ela percebeu, baixou a caneca na mesa e pousou as mãos no colo. Ela suspirou e esperou ele continuar, mas seu rosto se voltou a contemplar o vidro e as pessoas na rua.
- Você sabe que não dá mais, não é? - Ela suspirou baixinho.
- Obrigado - ele disse, voltando o rosto para a caneca. - por todo esse tempo. Foi maravilhoso.
Ela, aturdida com essas palavras, se levantou e saiu pisando forte. Parou por um segundo a porta, tomou fôlego e saiu. Ele ficou olhando pelo vidro enquanto ela passava, andando em frente sem virar para trás. Ele virou sua caneca de chocolate, pagou a conta e foi embora, andando na direção oposta.

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