Comi carne crua. Babei sangue. Só não sabia se era o meu ou
do animal morto.
Mordia cada pedaço com uma força descomunal. Quase animal.
Sentia meus caninos transpassando e chegando a minha língua, sentindo aquele
misto de dor e prazer naquele sentimento sufocante. Era o auge, o ápice. Aquela
carne exalando um cheiro acre de recém cortada. Mas minha raiva precisava ser
descontada, e nenhum animal vivo merecia aquilo.
Eu estava naquela tênue linha entre o deprimido e o
deprimente. Não sentia bem nada, só o cheiro da carne, a dor na língua, uma
queimação na nuca, o sangue quente escorrendo da boca. Babava feito uma
criança. Só que vermelho.
Pela janela conseguia ver aquelas pessoas andando na rua.
Nenhuma delas estava de fato na rua, com a cabeça longe metros, talvez
quilômetros de sua localização original. Nenhuma dela via o terror que acontecia
na janela. Nenhuma delas vira meu jantar sangrento. Nenhuma delas queria ver,
mesmo se o visse.
Nenhuma delas reconheceria o meu jantar. Já estava
extremamente mutilado.
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