Ao contrário do que dizem por aí e do que penso, eu tenho um
coração de carne como todo mundo. Não é de pedra, de gelo, peludo ou seja lá
qual seja a atual definição que dão dessa vez. É um coração como qualquer
outro.
A maior prova disso é que, se você me cortar, eu vou sangrar
como qualquer outro. Provo: sou um ser humano e tenho minhas limitações como
qualquer outro.
Mas nem por isso sou igual. Novamente posso provar.
Sempre senti esse músculo involuntário um tanto quanto
patético. Fica se retorcendo por coisas idiotas e por pessoas sem merecimento.
Parecia que cada vez que ele se retorcia, um hematoma novo nesse pedaço de
carne surgia, como se alguém arremessasse uma pedra ou atirasse uma flecha ou
algo que o valha.
Óbvio. Todo mundo é assim. Sofre uma decepção e se machuca,
blé.
Para evitar esse tipo de injúrias, resolvi fazer uma coisa
que li uma vez num livro. Quer dizer, algo bem semelhante. Num conto, um rapaz
arrancou seu coração e o guardou num cofre para evitar qualquer tipo de
sofrimento. Obviamente não funcionou muito bem, uma vez que o coração ganhou
vida própria por estar fora do corpo do rapaz. Mas e se o cofre estivesse no
meu peito? E se não fosse um cofre, e sim paredes impenetráveis? Melhor:
muralhas. Estaria imune a esses espólios. Pedras seriam desviadas e flechas
seriam quebradas quando arremessadas no cofre ou muralha, seja lá que raios eu
colocasse. Ainda estaria em mim meu coração, mas selado a vácuo para impedir
detritos externos.
Pensei. Não posso levantar essas muralhas a qualquer um.
Devo baixar a guarda a algumas pessoas, claro. E essas devem ser bem
escolhidas. Meus métodos, assumo, nunca foram bem esclarecidos, pois apesar de
ser bem racional, eu levo meus pensamentos por um lado bem passional. Como uma
porta traseira da imparcialidade. Uma divisão quase que perfeita do racional e
passional. Deve ser algum efeito colateral de trancafiar meu músculo num
cubículo de pedra. Ele deve se manifestar de alguma outra forma, enfim.
O fato é: eu ergui muralhas em torno do meu coração para não
permitir que qualquer um possa machucá-lo. Isso me tornou mais frio? Talvez. Isso impede de demonstrar meus reais
sentimentos? Talvez. Mas talvez fosse a maneira mais sadia de não me machucar
com tanta facilidade.
Mesmo machucando quem tenta penetrar por entre essa muralha.
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