Eu sempre odiei aquele porta-guarda-chuva.
Mas minha amada tinha ganhado de sua tia. Ou avó, não me
lembro. E ela também detestava minha cimitarra persa, que comprei com minha
economia de um ano de mesadas aos quinze anos. Lembro que quase me mataram
quando cheguei em casa com ela. Expliquei que tinha lido num livro que meu
herói favorito usava uma cimitarra para se defender de seus oponentes numa
guerra contra seres mitológicos, e que eu estava namorando na loja fazia um
tempão. Também expliquei que ela teria efeitos apenas decorativos.
Anos depois tinha de fazer duras negociações com minha
noiva: ela deixava aquele porta-guarda-chuva medonho ao lado da porta da sala e
eu podia pendurar minha cimitarra na parede acima. Quase que formando um
Yin-Yang. Já disse que conheci minha noiva na loja onde comprei minha cimitarra
nove anos atrás?
Mas aquele porta-guarda-chuva sempre teve algo de estranho.
Ele me instigava uma raiva absurda, não sabia bem explicar. Acho que foi a
ocasião em como chegou em
casa. Foi como se uma neblina densa de mau-humor tivesse
penetrado por todo canto logo em que ela chegou carregando o tal artefato.
Pensando melhor, acabo de me lembrar que esse treco foi da tia-avó dela. Porque
a energia bizarra que aquilo transmitia era exatamente igual a que sentia perto
da maligna da tia-avó dela, que me olhava de canto de olho e cochichava
tenebrosidades a meu respeito aos conhecidos.
Em contrapartida, minha cimitarra me transmitia uma calma
profunda. Era como se eu soubesse que ela estaria sempre lá, para me defender
de qualquer guerra, em qualquer momento que eu precisasse. E eu tinha guardado
tanto dinheiro nove anos atrás para comprá-la. Sempre que percebia, pegava-a na
mão e ficava admirando o punho cravejado com pequeninas pedras esverdeadas onde
está escrito 'Verdade' em alguma língua que não faço a menor idéia. Talvez
Persa, ou Árabe, já me esqueci de novo. "حقیقت" Era bonito e pronto.
Mas toda vez que tirava da parede, Ela gritava comigo. 'Por
que você tirou esse negócio medonho da parede de novo?'. Ou então 'Sabe que a
parede mancha toda vez que mexe nesse seu bagulho inútil?'.
Até que um dia, enquanto eu estava com minha cimitarra nas mãos
de novo, ela ralhou comigo. Eu me assustei e, sem querer, tropecei no porta-guarda-chuva
e a cimitarra voou da minha mão e a acertou em cheio. O punho pesado
bateu em sua cabeça. E uma concussão a levou de mim.
Eu sempre odiei aquele porta-guarda-chuva.
A partir daquele dia, ainda mais.
"A verdade é um espelho que caiu das mãos de Deus e se quebrou. Cada um
que recolhe um pedaço diz que toda a verdade está naquele caco."
Provérbio Persa
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