segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Leões Dourados e Espelhos Púrpuros

- Vovó, me conta uma história?
- Claro Mariana.Qual você quer dessa vez? A Bela Adormecida?
Mariana fez uma careta.
- Não Vovó. Essas princesas não estão com nada. Ficam esperando príncipes e os cambaus. Quero algo novo.
A velha olhou Jonas e soltou uma sonora gargalhada. Jonas lhe deu uma piscadela e virou-se pra Mariana. A velha se recuperou e voltou a falar.
- Claro que conto, minha pequena. O que acha da história dos Espelhos Púrpuros e os Leões Dourados?
- Leões... Sim, eu quero essa!
A avó lhe sorriu, pigarreou e começou a contar:

“Era uma vez um planeta escuro e afastado.Ao contrário do nosso planeta, ele não possui nenhuma estela muito próxima, o que o torna escuro e gelado.
A pouca claridade que tinha era proveniente de estrelas bem minúsculas e bem afastadas do planeta. Os moradores deste planeta já eram acostumados a enxergar no escuro. Aliás, eles não só enxergavam no escuro como também refletiam essa escuridão.
“Eles eram os Espelhos Púrpuros.
“Eram redondos, como ovos, e tinham uma leve cor arroxeada em suas formas espelhadas. Possuíam pernas e braços finos, e eram desprovidos de pescoços. Tinham a cabeça junto com o globo e tinham olhos pequenos, mas que enxergavam bem longe. Eram desprovidos de sentimentos bons, como compaixão, alegria, amor...
“Havia poucos Espelhos Púrpuros. Como existiam muitas guerras, vandalismos e destruições naquele planeta, eles derretiam com facilidade. Derreter era a forma como deixavam de existir.
“Certo dia, no auge de uma das mais devastadoras batalhas dos Espelhos Púrpuros, surgiu três grandes luzes no céu. Pareciam estrelas cadentes. Conforme essas luzes desciam, rugidos roucos vindos desses brilhos ficavam cada vez mais retumbantes. Em pouco tempo, todos os Espelhos Púrpuros estavam apreciando o show de luzes e rugidos vindos de céu.
“Até que...”

- Vovó?
- Sim, Mariana.
- Eram os Leões Dourados?
A velha gargalhou novamente.
- Sim Mariana. Eram os Leões Dourados.

“Os Espelhos Púrpuros perceberam que os brilhos estavam indo em direção ao centro da guerra. Amigos ou inimigos, estes se afastaram correndo e se acotovelando para sair de perto. Mas não longe o bastante para não verem o que aconteceria a seguir.
“Os brilhos desceram sobre o campo silenciosamente. De tão brilhantes e luminosos que eram, os Espelhos Púrpuros tinham dificuldade para enxergarem e distinguirem as formas.
“Eram gigantescos Leões Dourados. Três enormes. Patas do tamanho de patas de elefante, quase três metros de altura, jubas douradas que mais lembravam coroas. Olhos bem abertos cor de mel, que observavam tudo de maneira bem atenta. Olhavam as manchas púrpuras do chão, que eram os Espelhos Púrpuros mortos em batalha.
“Com um rugido bem alto, os Leões Dourados se agitaram no lugar, bem a vista dos Espelhos Púrpuros escondidos em depressões ao longo do campo de batalha.
“Um dos Espelhos Púrpuros resolveu se aproximar dos Leões Dourados. Ele andava cautelosa e vagarosamente. Conforme se aproximava, o rugido dos Leões fora ficando mais e mais baixo, até que um dos Leões parou de rugir e virou-se para o Espelho. O Leão se aproximava do Espelho, que agia reciprocamente. O Espelho percebeu que o Leão possuía olhos tristes e quase que chorosos. Assim, ele parou a cerca de três metros do Leão e fixou o olhar nos olhos do mesmo. Assim, começou a rachar.
“Começou com uma rachadura fina, mas foi se alargando e se espalhando por toda a extensão do corpo do Espelho Púrpuro. A essa altura, todos os outros habitantes daquele planeta já não estavam mais escondidos, estavam olhando o que acontecia ao Espelho.”

- Ele não sentia dor, Vovó?
- Não Mariana. Pelo contrário.
Jonas pigarreou. Mariana o olhou com uma careta como se dissesse “Não interrompa”.

“O Espelho Púrpuro começou a gargalhar, como se sentisse uma alegria imensa. E, de repente, se rompeu em vários cacos. Onde estava, surgiu uma figura muito semelhante a um humano, mas com braços e pernas finos e compridos, corpo mais comprido e orelhas mais pontudas. Um bocado fino e desajeitado. Pele com um tom azeitonado e com certo brilho próprio. Desta vez, cabelos longos e escuros lhe caía pelos ombros, formando cachos em torno do pescoço comprido e fino.
“Todos os outros Espelhos começaram a rachar. E deles foram surgindo seres semelhantes àquele primeiro. Todos com expressões de alegria e felicidade imensa.
“Os Leões Dourados se ergueram no ar e, com um rugido, voltaram ao céu. Em determinado momento, os três seres brilhantes se encontraram no céu, formando um único foco de luz, capaz de cegar qualquer humano que olhasse diretamente para aquilo, de tão grande e brilhante que era. Desse ponto de encontro, quando foi diminuindo a luz, percebeu-se que surgiu uma estrela, algo como se fosse o Sol para nós.
“Daquele dia em diante, os Espelhos Púrpuros passaram a ser mais atenciosos e cuidadosos com o pequeno planeta, que se encontrava destruído. Em uma das suas lendas, dizem que, se o planeta for novamente dominado pela treva e ódio, os Leões voltarão e lhes tomarão a única fonte de luz.”

- Que diferente, vovó. – Disse a garota, enquanto batia palmas.
- Gostou, Mariana? – Perguntou a velha, sorrindo.
- Muito. Mas tenho uma pergunta.
- Qual seria?
- Os Espelhos Púrpuros... Como se chamam agora?
- Essa é outra história, minha neta, e será contada outro dia.
Jonas olhou a velha e pigarreou. Mariana se levantou e rumou para a cozinha.
- Por que não lhe contou, vovó?
- Acredito que crianças devem ser crianças enquanto puderem ser crianças.
Após um sorriso mutuo, Jonas beijou a avó no rosto e saiu, para acompanhar Mariana.

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