segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Radiografia Panorâmica [Medicina de Alice]

O mesmo ambiente da semana passada. Alice queria explodir de tanta dor de cabeça. Aquele cheiro de pasta, os latidos, a luz que pisca, as revistas mofadas, os quadros de auto-estima dental. A única diferença era a consulta: Radiografia Panorâmica.
Mordida cruzada. Era isso que a doutora havia dito. Provável uso de aparelho dentaria.
Agora era uma mãe e seu filho. Devia ter cerca de cinco anos no máximo. Mas já falava como alguém que tenha duzentos anos. Todo o tempo. A pergunta que era mais frequentemente repetida era: ‘Aquilo é azul ou verde, mamãe?’.
Alice revirava a bolsa furiosamente, procurando o pedido. Estava extremamente irritada com tudo aquilo. O maço de cigarros reluzia no bolso, preso a um papel dobrado. Não era o pedido, era uma carta de Lúcio.

‘Querida Alice
Fomos todos à praia já. Eu, Júlio e Ronaldo Esperaremos vocês as dez no quiosque de sempre, certo?
Leve seu protetor solar.
Beijo, te adoro.
Lúcio. ’


Lembrou-se que o papel estava na geladeira parda de sujeira. Por sinal, vazia. A única utilidade era colar recados.
Alice, Sandra e Rosana encontraram os garotos no quiosque. Às onze e meia. Os seis se sentaram sorridentes, sendo frequentemente observados. Mas nenhum deles realmente se importava com isso.
Alice e Lúcio trocavam olhares frívolos. O único atento a esse fato era Ronaldo, o garoto da sunga azul. Com a veia pulsando na testa, os olhos eclodindo das órbitas e os pés se contraindo de medo, o moreno tossia, evidentemente, querendo chamar atenção geral.
Alice tirou o pedido do bolso à direita. Entregou a moça do caixa, junto com o cartão de débito automático. A moça, rudemente, aceitou o pedido e passou o cartão na maquina.
Quando Alice terminou de pagar, se dirigiu a sala de espera e rapidamente foi chamada.
-Ponha sua cabeça ali e morda o plástico branco.

Senhor Odonto Malvado! Foi o que pensou Alice ao ver o aparelho. Assimilava-se a um capacete rotativo com uma cúpula para fixar a cabeça. Apesar do título, Alice o fez. Pôs a cabeça no capacete e mordeu o plástico.
-Tente não se mexer. Se possível, não respire.

Ele quer me matar! E começou
A máquina começou a rodar lentamente em volta da cabeça de Alice. Sentia que queria vomitar. Seu cérebro começou a vincular imagens de Lúcio. As pálpebras se fecharam. A máquina rodava velozmente. Ferozmente.

Não apague o Lúcio da minha mente! Por Favor!

Parou. Ela se sentia exausta. O mordedor de plástico quase se partira com a força que mordera.
-Pode aguardar na recepção, sim?
Pegou a bolsa e voltou pra sala azul. Os quadros de alta-estima dental sorriam diabolicamente, como se zombassem da pobre moça.

Exame entregue. Fones no ouvido. Batom retocado. Sol no rosto.

Lúcio na mente.

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