sábado, 13 de setembro de 2008

Uma carta Mexicana

Joana
Dois anos se passaram desde minha ultima carta. Dois anos de muita dor e saudades da minha daminha de cabelos rubros e tênis roxos. Dois anos de modorra, fadiga, espreguiçadeiras de plástico com um pé quebrado e sorvetes de baunilha. Dois anos da mais macabra vida que qualquer ser humano poderá passar. Estou sendo irônico quanto ao sorvete de baunilha, claro, você entendera mais a frente. De qualquer forma, devo lhe pedir uma coisa. Peço-lhe desculpas por não ter respondido sua ultima tão breve.
Enfim, tenho de contar-lhe o que me ocorreu.
Eu era imaturo. Eu não sabia mesmo o que estava fazendo quando aceitei aquele emprego ridículo no México. Mas quão fascinante era a comida Mexicana, a dança mexicana, a cultura mexicana. O mundo mexicano em si. Era, como disse. Tudo uma pura ilusão.
Comecei trabalhando como promotor de eventos. Eu fazia o curso de publicidade na faculdade da cidade do México tranquilamente, quando arrumei um segundo emprego infernal. Era dos diabos mesmo. Eu ia fazer o marketing para uma empresa local muito grande. Eu mesmo não podia acreditar no que estava acontecendo. Realmente, não devia acreditar.
Eu fui enganado.
Na verdade, eu estava assinando um sub-contrato falso, onde o papel carbono marcava na realidade um contrato forjado. Perdi todo o meu dinheiro naquele contrato. Perdi tudo, menos meu apartamento. E como tinha pedido demissão do antigo emprego, não tinha dinheiro nem pra comer.
Minha moça.
Não fale ao meu pai o que aconteceu comigo. Enviei cartas a ele dizendo que estava bem e até mandei uma quantia em dinheiro, só pra parecer que eu estava bem. Isso há umas duas semanas atrás.
Mas não era só isso que tinha pra te falar.
Quero saber como esta seu irmão. A ultima vez que me escreveu disse que ele tinha quebrado o braço. Espero que não tenha sido nada de muito grave. Sei que um tombo do segundo andar de um apartamento parece muito, mas não me preocupei. Sei que o Marquinhos esta muito bem.
E quanto ao Eduardo, bem, não sei te falar muito bem o que eu acho da situação. Acredito que o suicídio seja para poucos e ele não era um dos que merecia. Não que se deva merecer pra morrer, mas é que ele tinha muito que fazer por você ainda. Recebi a carta de suicídio que ele lhe escreveu. Não respondi, mas eu a recebi e a li com muita atenção. Ele não me pareceu muito convincente, ele com certeza tinha outros motivos. E o baú? O que tinha dentro daquele baú? Você não quis me dizer. De qualquer forma, eu vou descobrir, pois estarei chegando à cidade dentro de breve.
Sim, eu consegui sair do México sem sofrer nenhum dano muito grave. Cheguei clandestino aos Estados Unidos e consegui arrumar passagens de volta a São Paulo com o dinheiro do apartamento que eu vendi.

Peguei sua última carta de novo. Nela tinha pequenas rugas no papel. Varias rugas pequenas, redondinhas e belas. Diga-me, por que chorava enquanto escrevia? Eu não sei o porquê daquele trecho. Se fosse onde se referia ao Eduardo, eu até entenderia, mas se trata na parte do “Eu perdi meus tênis roxos.” Lá havia uma ruga bem marcada, e quase o papel se rasgou ao escrever.
Joana, Joana...
Achou que eu só lia suas cartas sem interpretar os sinais do seu corpo. Eu posso saber até a posição na qual você escrevia nessa ultima carta. Mas pela variação de caligrafia sou capaz de afirmar que você a escreveu em cerca de doze fragmentos de tempo, com leves pausas de três minutos cada. E assim afirmo que você ficou nervosa ao me escrever.
Joana.
Você ainda me ama, assim como disse quando eu parti? Eu nunca retirei o que eu disse sobre você. Eu sempre pensei em você e nunca dormi com outra garota sem ter você na mente. Eu já havia te dito isso mais de uma vez, mas você não acreditou em mim. Eu sei que pareço ridículo, mas eu criava uma Joana a cada esquina que eu cruzava, tentando desesperadamente encontrara você em algum corpo. Em alguma voz. Em algum desejo. Em algum ensejo ou vontade de me amar. Eu nunca fui tão amado quanto por você Joana. Acredite, seu amor foi o que fez agüentar firme a minha existência.
Provavelmente outros homens já tenham lhe dito isso antes. O Eduardo, talvez. Mas é que você, Joana, é a pessoa mais incrível que conheci. Desde aquele dia, em que você entra no restaurante com um belo casaco rosa. Eu sempre odiei aquele casaco rosa. Mas se você gostava dele.
Enfim, peço-lhe mais uma vez desculpa pela demora, pelo meu irmão ter feito aquela burrice e te deixado assim, pela minha falta de bom senso ao te deixar.
Beijo Joana, eu sempre te amarei.
Do seu e exclusivamente seu.
Edgar.

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